Publicado originalmente no blog do autor
Há uma teoria que oferece um método ao atraso deliberado no plano de vacinação no Brasil. Quanto mais atrasar o planejamento da imunização contra a Covid-19, mais Bolsonaro ganha tempo para que Paulo Guedes tente recuperar a economia.
De acordo com essa tática macabra, é possível, depois que o PIB teve alta de 7,7% no terceiro trimestre, esperar que a produção reaja a partir de agora e alguns empregos reapareçam. Tudo em meio ao segundo surto da pandemia.
Nesse ambiente, não haveria pressa para a imunização. Bolsonaro ganharia tempo, depois de ter subestimado e mascarado a extensão da pandemia, chegando ao ponto de armazenar testes que talvez nunca venham a ser usados.
O outro cenário, com a vacina, seria este. Se as pessoas forem vacinadas logo no início do ano, ainda num ambiente de insegurança econômica e com o fim do benefício emergencial, Bolsonaro poderá enfrentar um clima hostil e até revoltas nas ruas.
É uma tese esdrúxula? No Brasil de Bolsonaro, nada mais é surpreendente ou exótico. O sujeito boicotou a vacina desde o início. E parece existir um plano, e não só birra, morbidez e irracionalidade nesse comportamento.
Está ficando cada vez mais evidente que não haverá vacina para todos. Talvez se descubra logo que o Brasil terá vacina para poucos.
E os brasileiros fazem o quê? Esperam uma vacina que talvez não chegue nunca. Quem assegura que haverá vacina? Qual vacina? A de Oxford? Em que quantidade? A vacina é até agora uma miragem.
No sábado, os conselhos de secretários estaduais e municipais de Saúde (Conass e Conasems) divulgaram nota em que defendem que o governo compre todas as vacinas acessíveis e com eficácia e segurança reconhecidas.
Mas só agora decidiram fazer o apelo? Bolsonaro boicota a vacinação, o ministro da Saúde se mostra incapaz, e os governadores não reagem.
Há um sentimento generalizado de que a pandemia parou o mundo e favoreceu os déspotas, com a imobilização das populações, com raras exceções.
Governantes que foram protegidos pela clausura provocada pela pandemia, como Sebastián Piñera, no Chile, podem enfrentar problemas sérios a partir do momento em que as pessoas se sentirem seguras para ir às ruas.
No caso brasileiro, não exagera quem imaginar o pior dos cenários, quando as pessoas se derem conta de que, de russos e ingleses a australianos e argentinos, todos estão sendo vacinados, enquanto nós somos enrolados.
A sensação hoje é de que haverá vacina para todos, menos para o Brasil. Estamos esperando Godot e a vacina.
Bolsonaro precisa torcer para que seu negacionismo funcione por mais um tempo e que o brasileiro continue resignado com o crime contra a saúde pública que já matou 176 mil pessoas e anestesiou o país.