Originalmente publicado em CONJUR
Por Sérgio Rodas
Como o Código de Processo Penal permite que as partes, mesmo sem aval judicial, gravem audiências, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar em Habeas Corpus para suspender ação penal contra o criminalista Fernando Augusto Fernandes, ex-procurador de Prerrogativas do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. A decisão é de 3 de dezembro.
Quando defendia o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho, Fernandes quis gravar uma audiência na 100ª Zona Eleitoral de Campos dos Goytacazes. Isso porque a sessão não seria registrada por nenhum meio audiovisual. O juiz o proibiu de fazê-lo. Porém, como entendeu haver distorções entre os depoimentos e o que estava sendo registrado em ata, o advogado registrou a audiência e juntou o arquivo aos autos.
O objetivo, segundo Fernandes, foi produzir prova judicial, sem quebrar o sigilo — tanto que não divulgou seu conteúdo para fora do processo. No entanto, o Ministério Público denunciou Fernando Fernandes por desobediência eleitoral (artigo 347 do Código Eleitoral).
Em julho, o Tribunal Superior Eleitoral concedeu parcialmente HC para declarar a competência da Justiça Federal, e não da Justiça Eleitoral, para julgar acusação de gravar audiência contra Fernandes. Segundo os ministros, advogado que contraria comando de juiz eleitoral e grava audiência não pode ser acusado do crime de recusar cumprimento a ordens da Justiça Eleitoral. Se for o caso, deve responder pelo delito de desobediência (artigo 330 do Código Penal). Além disso, três ministros votaram para trancar a ação penal, e três foram contra. O ministro Sérgio Banhos não se manifestou sobre a questão.
A seccional fluminense da OAB impetrou Habeas Corpus em favor do advogado, representada, entre outros, pelo seu presidente, Luciano Bandeira, pelo jurista Lenio Streck e pelo ex-presidente do Conselho Federal da OAB José Roberto Batochio.
Dias Toffoli apontou que a conduta de Fernando Fernandes é atípica. “Não obstante a omissão do Código Eleitoral a respeito da possibilidade de gravação em imagem e/ou áudio das audiências de instrução e julgamento, o novo Código de Processo Civil, em seu artigo 367, parágrafos 5º com correspondência com 6º, confere às partes, independentemente de autorização judicial, o direito de gravar as audiências integralmente em imagem e em áudio, por meio digital ou analógico”.
Assim, por falta de justa causa, o ministro ordenou a suspensão da ação penal contra o criminalista.
Ampla defesa
Fernando Fernandes disse à ConJur que advogados têm o direito de desobedecer ordens ilegais na defesa de seus clientes.
“A independência da advocacia exige o descumprimento de ordens ilegais que coloquem em risco a garantia irrenunciável da ampla defesa. O advogado criminalista, muitas vezes, arrisca a si mesmo para defender seu constituinte, por isso Sobral Pinto disse que ‘a advocacia criminal não é lugar para covardes'”.
Lenio Streck destacou que ele, Batochio e a OAB-RJ buscaram preservar as prerrogativas profissionais de Fernando Fernandes, que foram “vilipendiadas pelo juízo de primeiro grau eleitoral”.
“Ele [Fernandes] gravou, em legítima defesa, uma audiência. Juntou a degradação mostrando exatamente as discrepâncias da ata e dos depoimentos. Incrivelmente está sendo processado por desobediência. Ora, ele fez o que nos EUA chama-se dever de indignação (duty of outrage). Tivemos que ir ao STF para buscar um HC. E ainda não terminou o imbróglio. É uma liminar! Mas estamos esperançosos com o mérito. A advocacia e as prerrogativas hão de vencer. Como venho dizendo, stoik mujic. O advogado resiste!”.
José Roberto Batochio avaliou que a decisão de Toffoli privilegia o exercício efetivo da ampla defesa.
“Se o juiz comete infidelidade ao transcrever o depoimento da testemunha, alterando a verdade histórica reconstruída na coleta da prova oral, mais que direito, é dever do advogado usar dos meios disponíveis para levar essa verdade às instâncias superpostas”.
Além disso, o Código de Processo Civil autoriza expressamente que o advogado grave audiências, ressaltou Batochio. “Aquilo que é permitido e assegurado como direito na esfera não penal não pode, jamais, configurar infração penal”.
Caso semelhante
No primeiro depoimento do ex-presidente Lula na operação “lava jato”, em maio de 2017, o então juiz Sergio Moro proibiu a entrada de telefones celulares na sala de audiência. Ele justificou a medida com o argumento de que “já houve experiência negativa anterior em outra ação penal”.
Responsável pela defesa do presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, Fernando Fernandes ajuizou medidas contra a proibição da entrada de celulares. Ele impetrou um mandado de segurança no Tribunal Regional Federal da 4ª Região e uma reclamação no Supremo Tribunal Federal.
Na petição, Fernandes afirmou que a medida atenta contra o princípio constitucional da publicidade dos atos processuais e viola o direito à comunicação dos advogados. “O advogado não pode ser mantido incomunicável durante o seu trabalho por determinação do juízo que preside audiência da qual o profissional participará em defesa de seu cliente — em todos os ramos do direito, mas sobretudo nas audiências realizadas sob a égide das regras e garantias do Direito Processual Penal.”
A 8ª Turma do TR-4 reconheceu que esses aparelhos são instrumentos relevantes para o desempenho das atividades de magistrados, advogados e membros do Ministério Público, mas concluiu que o uso pode ser vetado em casos pontuais.