Brasileiros são impedidos de embarcar para Portugal

Atualizado em 10 de dezembro de 2020 às 14:22
Bandeira de Portugal. Foto: fdecomite/Flickr/Creative Commons

Publicado originalmente no site Sputniknews

POR LAURO NETO

Brasileiros têm enfrentado dificuldades ao tentar embarcar para Portugal, seja para visitar parentes que moram no país europeu ou até mesmo para estudar. Em função da pandemia de COVID-19, estão proibidas viagens consideradas não essenciais oriundas do Brasil.

Questionada por Sputnik Brasil se o início da vacinação contra COVID-19 em janeiro permitiria uma flexibilização dos voos vindos do Brasil, a secretária de Estado do Turismo de Portugal, Rita Marques, disse esperar que a situação se resolva brevemente, mas sem precisar uma data. No entanto, ela descartou que a solução chegue a tempo de brasileiros passarem o Natal com familiares que moram em solo português. Ao término da 7ª Reunião Virtual do Comitê de Crise da Organização Mundial do Turismo, realizada em Lisboa nesta quarta-feira (9), a secretária de Estado explicou que Portugal tem que seguir as decisões da União Europeia.

“As viagens para a Europa estão sempre condicionadas ao ajustamento das recomendações e orientações que recebemos da União Europeia. Até esta data, só as viagens para fins muito específicos são permitidas. Tem havido sempre diálogo. Estamos muitíssimos empenhados, tanto nós, como o governo brasileiro, para podermos ultrapassar essa fase. Portanto, estimo que, muito em breve, não sei se seguramente antes do Natal, difícil, mas muito em breve, esperamos todos que tenhamos condições para reativar a boa relação aérea, neste caso, que temos com o mercado brasileiro. Estimo que muito em breve possamos ter uma flexibilização das condições da entrada, nomeadamente do mercado brasileiro, que para nós é importantíssimo”, explicou Rita Marques.Informada por Sputnik Brasil, à saída do evento na sede do Turismo de Portugal, de que brasileiros estão enfrentando dificuldades de embarcar ainda no Brasil, pois as companhias aéreas só permitem o embarque com autorizações prévias do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a secretária de Estado ratificou que não se trata de uma imposição do órgão português, mas da Comissão Europeia.

“Temos conhecimento disso. Não tem sido fácil com as companhias aéreas. Não tem a ver com o SEF, mas apenas com a política europeia. Estão a tentar evitar que haja várias portas, para lá da Europa, abertas. Embora Portugal tenha divulgado, e bem, que tem boas relações com o Brasil, por isso continuamos a manter essas rotas,  mas tem que ser muito negociado com a Comissão Europeia, porque essas rotas são sempre em número reduzido e com esses critérios todos muito apertados. Estamos na União Europeia e temos que cumprir, porque não temos a certeza de que o cidadão brasileiro depois que entre cá possa percorrer a Europa afora”, ela exemplificou.

No entanto, um despacho do próprio governo português diz que “consideram-se viagens essenciais, nos termos referidos na Recomendação (UE) 2020/1551 do Conselho, de 22 de outubro de 2020, designadamente as destinadas a permitir o trânsito ou a entrada ou saída de Portugal de”, entre outros, “nacionais de países terceiros em viagem por motivos profissionais, de estudo, de reunião familiar, por razões de saúde ou por razões humanitárias, e de acordo com o princípio da reciprocidade”.

Advogada brasileira aprovada em mestrado em setembro não consegue embarcar

A advogada capixaba Marina Peyneau recebeu o resultado de que havia sido aprovada no mestrado em Direito das Empresas e do Trabalho, no ISCTE, em 11 de setembro, com aulas presenciais começando 10 dias depois. Tentou embarcar para Lisboa a partir de Vitória no dia 17 daquele mês, com documentos da universidade, como a matrícula e a mensalidade paga, mas foi barrada. Ela conta que, antes de ir ao aeroporto, telefonou para o Consulado de Portugal no Rio de Janeiro, para o SEF e para a VFS Global, empresa responsável pelo processo de vistos para Portugal, mas nenhum dos três souberam responder se ela conseguiria viajar.

“Cheguei no aeroporto com teste de COVID-19 negativo e uma pasta de documentos. Funcionários da companhia aérea falaram que o documento de matrícula e todo resto não eram suficientes, e para eu enviar um e-mail para um endereço eletrônico do SEF, porque, a quem estivesse na mesma situação que eu, eles davam uma autorização de viagem. Mas eles não concederam não”, diz Mariana em entrevista à Sputnik Brasil.

A resposta negativa do SEF chegou no dia 21 de setembro informando que ela deveria providenciar o visto junto ao consulado. O périplo de Marina estava apenas começando. Na mesma semana, contratou uma agência para enviar a documentação necessária à VFS, já que consulados portugueses no Brasil terceirizaram os serviços de vistos. Como não há representação consular no Espírito Santo, enviou os documentos, incluindo seu passaporte, ao Rio de Janeiro.

Somente na última segunda-feira (7), ela recebeu um e-mail automático da VFS dizendo que a empresa havia recebido do consulado o resultado do processo dela, mas sem dar mais informações. Ainda que esteja mais aliviada com a sinalização de que o visto possa ter sido aprovado, a advogada está preocupada porque as provas do mestrado começam no dia 7 de janeiro, e a documentação precisa ser enviada do Rio para Vitória em pleno período de festas de fim de ano.

“Dei entrada no pedido há quase 3 meses, mas não chegou ainda [o visto]. E também tem o problema de achar passagem, porque, com a pandemia, o número de voos está bem reduzido. Estão saindo apenas quartas, sextas e domingos. Preciso ver como vou fazer se a VFS enviar meu passaporte até lá”, ela pontua.

Em depressão, carioca não pode receber a visita da mãe em Lisboa

Já a carioca Tamiris Castro, que tem nacionalidade portuguesa, está tentando trazer sua mãe, Lizete, para visitá-la desde junho em Alverca, distrito de Lisboa. Como Tamiris faz tratamento contra a depressão, a visita de sua mãe se encaixaria no critério do despacho do governo português que prevê viagens essenciais por motivos de reunião familiar. Além disso, mesmo não sendo cidadã portuguesa, Lizete teria direito a um visto de estada temporária para acompanhamento de familiar sujeito a tratamento médico por período inferior a 12 meses. Mas, na prática, a teoria é diferente.

Em 28 de agosto, depois de ver que alguns brasileiros estavam conseguindo entrar em Portugal, elas arriscaram. Lizete tinha tudo em mãos: todos os documentos, certidão de casamento apostilada, cópia do cartão cidadão de Tamiris, carta convite da filha e exame de COVID-19 negativo. Mas já no check in no Rio, impediram-na de embarcar, alegando que ela precisaria de uma autorização do SEF.

“Lá mesmo [no aeroporto] remarcaram a passagem da minha mãe para a próxima semana, mas tivemos que entrar em contato com a companhia aérea pelo telefone para deixar em aberto de novo, já que o tal e-mail do SEF ainda não tinha sido respondido. Muitos dias depois, responderam informando que a viagem da minha mãe não se enquadrava entre as viagens essenciais que o decreto previa, e negaram a autorização. Desde então, vinha tentando obter essa autorização, mas sem resposta”, lamenta Tamiris.

Ela conta que enviou cinco e-mails diferentes ao SEF solicitando a autorização da vinda de sua mãe. Em um deles, ela anexou laudos médicos atestando sua depressão, síndrome do pânico e o tratamento psiquiátrico que ela fazia desde 2014 no Rio. Na resposta, uma funcionária do SEF escreveu que Tamiris deveria “fazer prova de que sua mãe se encontra a seu cargo […]. Não sendo esse o caso, a reunião familiar dependerá de avaliação casuística quanto à essencialidade da viagem nesta altura específica”, lê-se no e-mail.

“Fiz quase seis anos de tratamento com remédios e terapia. Após quase um ano vivendo aqui em Portugal, voltei a apresentar alguns dos sintomas mais alarmantes dessa doença, dessa forma precisando imensamente do apoio da minha mãe. A situação da pandemia, afastada da minha mãe, longe de casa, agravou meu quadro, mas ainda assim não consegui o retorno”, ela ressalta.

O caso do aposentado Hugo Filho, de 71 anos, é parecido. A diferença é que o mineiro é quem está em depressão. Ele não conseguiu embarcar na última segunda-feira (7) de Belo Horizonte para Lisboa para comemorar o aniversário da filha, no dia 19, e passar o Natal e o Ano Novo com o neto, de 1 ano. Com um histórico de doenças como diabetes e cardiopatia, ele conta que o quadro depressivo se agravou com a distância dos dois.

“Ando muito deprimido mesmo. Já tive quatro infartos e um AVC. Meu maior medo é morrer e não conviver com meu neto. A minha motivação é o momento em que falo com ele e com minha filha por chamada de vídeo. Mas eu queria mesmo é poder passar um tempo com eles, principalmente agora no Natal e no Ano Novo. Ah, também o aniversário da minha filha, que é no dia 19 de dezembro”, diz Hugo Filho.Mesmo enviando laudos e exames médicos ao SEF, o órgão não se sensibilizou e desautorizou a viagem sob a justificativa de que “os procedimentos de controle de vigor excluem viagens consideradas não essenciais, como sendo a visita temporária de familiares”.