Acordei meio filosófico. E quando isso acontece pareço um livro de citações ou um manual vulgar de auto-ajuda. Recomendo aos mentalmente sãos que parem a leitura por aqui. Aos demais, aos loucos o suficiente para ignorar a advertência, segue desde já um sincero pedido de desculpa.
Meu ponto de partida é a atitude oposta de dois grandes filósofos gregos, Heráclito e Demócrito, diante da miséria humana. Heráclito chorava, Demócrito ria.
No correr dos dias nós vemos uma série infinita de absurdos e de patifarias. Alguém a quem você fez bem retribui com ódio. A inveja parece onipresente. A mesquinharia, também. Você tropeça e percebe a alegria maldisfarçada dos inimigos e até de amigos. (Palavras do frasista francês Rochefoucauld: sempre encontramos uma razão de alegria na desgraça de nossos inimigos.)
As pessoas que têm poder são quase sempre sensíveis à adulação. A frivolidade triunfa. A hipocrisia é dominante. As decepções se acumulam. Até seu cachorro se mostrou bem menos confiável do que você imaginava. Se não bastasse tudo, sua sogra não sai de sua casa.
Em suma, a vida como ela é. Você pode chorar. E dedicar o resto de seus dias a movimentos que alternam gemidos de autopiedade e consumo de antidepressivos de última geração. Ou então você pode rir.
A alternativa dois é a melhor.
A oposição entre Heráclito e Demócrito foi objeto de estudo de dois filósofos distantes séculos um do outro: Sêneca e Montaigne. Cada um a seu estilo, ambos optaram por Demócrito e sugeriram o mesmo a quem acaso os lesse. Uma só situação provoca riso ou choro de acordo com a disposição de espirito de quem a enfrenta.
Mesmo Schopenhauer, o grande filósofo do pessimismo, o gênio soturno que disse que a pior coisa do mundo é nascer, reconhece sabedoria na jovialidade. “Acima de tudo, o que nos torna mais imediatamente felizes é a jovialidade do ânimo, pois essa boa qualidade recompensa a si mesma de modo instantâneo” escreveu ele. “Quem é alegre tem sempre razão para ser alegre. E a razão é exatamente esta, a de ser alegre. Nada pode substituir tão perfeitamente qualquer outro bem quanto essa qualidade, enquanto ela mesma não é substituível por nada.”
Um passo essencial para a “jovialidade” é dar menos importância à opinião dos outros sobre nós. Somos escravos da opinião alheia. E isso nos faz inimigos de nós mesmos. Um dia seu chefe está feliz e o cumprimenta no elevador. Você ganha o dia. Mas se alguma coisa aborreceu seu chefe e ele parece não enxergá-lo quando vocês se cruzam, isso talvez seja o suficiente para estragar sua semana. Mais relevante do que os outros pensam sobre nós é o que nós pensamos sobre nós mesmos. Não adiante o mundo inteiro reverenciá-lo se ao olhar para o espelho você não respeita o que vê.
Os sábios recomendam unanimemente a busca da indiferença perante a opinião dos outros. Schopenhauer cita como exemplo o líder romano Mário. Um chefe bárbaro mandou desafiar Mário para um duelo. Sem ligar para o que os outros achariam de sua resposta, e muito menos para o que o próprio bárbaro pensaria, Mário mandou o seguinte recado: “Se você está entediado com a vida, que se enforque”.