Foi uma coincidência.
Eu estava lendo um livro sobre as torturas impostas aos negros na Jamaica pelos colonizadores ingleses quando soube que Mandela morreu.
Quem não tiver disposição para ler coisas pesadas deve pular os dois parágrafos seguintes.
Uma das punições sofridas pelos escravos negros era fazê-los engolir a urina e as fezes de seus companheiros de escravidão.
O patrão obrigava um escravo a evacuar na boca do punido. Isto feito, uma máscara era fixada no rosto da vítima por algumas horas. Isto ficou registrado para a história porque o diário de um colonizador inglês sobreviveu.
Não surpreende que um jornalista inglês, ao fazer um documentário sobre o império britânico, tenha dito na Jamaica a um descendente de escravos: “Você deveria me odiar.”
O entrevistado, candidamente, respondeu: “Tudo que eu gostaria é que os ingleses reconhecessem a importância do açúcar jamaicano na construção de seu império.”
Pausa para um suspiro de tristeza.
Bem, a morte de Mandela é uma esplêndida oportunidade para refletir sobre os horrores impingidos aos negros pelos “civilizadores” brancos.
Mandela mesmo passou 27 anos na cadeia por se insurgir contra a discriminação aos negros em sua África do Sul. (Era um “terrorista”, segundo Thatcher, uma definição lembrada na festa que a esquerda inglesa fez nas ruas quando ela morreu.)
No Brasil, a melhor homenagem que se pode prestar a Mandela é acelerar cotas que atenuem um caso intolerável de injustiça social.
Não existe meritocracia quando o acesso à educação, e depois aos melhores empregos, é exclusividade daqueles cujos pais podem pagar mais de 1 000 reais de mensalidade escolar.
Evocar a meritocracia contra as cotas é um insulto cínico e obtuso à meritocracia.