Homem forte de Pazuello na vacinação já foi denunciado por tentativa de desvio em campanha

Atualizado em 7 de janeiro de 2021 às 17:28
Homem forte de Pazuello na campanha de vacinação já foi denunciado por… tentativa de desvio em campanha de vacinação. Foto: Reprodução/SportLight

Publicado originalmente no site SportLight

POR LÚCIO DE CASTRO

Parece roteiro de série mas não é. Talvez nem o maior diretor tivesse imaginado algo assim: o homem designado para deslanchar a campanha de vacinação no Brasil na maior pandemia da história já foi denunciado por tentar desviar carro de uma…campanha de vacinação.

Airton Antônio Soligo, o Cascavel, é da mais absoluta confiança e relação umbilical com o general Eduardo Pazuello. Que por sua vez, é o cara da confiança e intimidade com Jair Bolsonaro, amigos de longa data.

Os laços fraternos entre Cascavel e Pazuello fizeram com que o primeiro se tornasse o braço-direito do ministro. Antes mesmo de ser nomeado. Circulava e dava ordens dentro da pasta sem cargo, assim como era o representante em reuniões com governadores e negociando contratos de altos valores. Nos bastidores, circula a informação de que ameaçava funcionários de demissão sem precisar ter tido o nome publicado no diário oficial.

Até que o fato inusitado chamou a atenção de políticos. No início de junho, a bancada do PT, como mostra o “Diário do Congresso”, que registra diariamente a ata da casa, encaminhou o “requerimento de informação nº 713”, no qual, entre 7 questionamentos, diz existirem informações de que “o sr.  Airton  Soligo  teria,  inclusive, ramal  telefônico  nas  dependências  do Ministério  da  Saúde”, e pergunta: “onde  ele  está  alocado?  O  Sr.  Airton  Soligo  possui  acesso  aos  sistemas  do Ministério  da  Saúde,  com  login  e  senha?  Se  sim,  de  quais  sistemas?  De  quem  partiu  a  ordem de autorização de acesso a uma pessoa que não é servidor ou possui relação com o ministério?”. Questiona ainda se existe programa de voluntarismo para alguém que não é servidor dar expediente e desempenha função tão relevante, entre outras questões. Diante do iminente caso barulhento, Aírton Cascavel é finalmente nomeado.

Em 24 de junho, essa eminência-parda e grande mistério dentro do ministério finalmente foi nomeado e ganhou o cargo de “assessor especial”,  com código DAS-102/5 publicado no diário oficial da união. Já de crachá, no dia 14 de dezembro, na negociação mais complicada até aqui, era ele o representante de Pazuello e Bolsonaro para reduzir arestas e falar sobre a compra da Coronavac junto ao governo de São Paulo.

A história que a história não contou, até aqui, por trás do personagem, ganha imensa relevância em momento tão crucial em que o Brasil vai chegando a 200 mil mortos pelo corona vírus e derrapa nas mais remotas tentativas de montar uma campanha de vacinação e sem sequer conseguir comprar seringas.

E é muito relevante e significativa sobre o Brasil atual para seguir no ostracismo em que se encontra uma história assim, até aqui injustamente esquecida nos anais do congresso nacional:

É assim: por ter sido deputado federal entre os anos de 1998 e 2002, Cascavel tem um pouco de sua história contada no “Diário do Congresso”. Está minuciosamente relatada em detalhes na edição 145, de uma terça-feira, 2 de outubro de 2001.

Cascavel foi denunciado por corrupção ativa

A sequência mostra que, na ocasião, o então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, pede ao presidente da câmara do período, Aécio Neves, para submeter ao plenário um pedido de licença permitindo que a corte superior examine a denúncia do Ministério Público Federal contra o deputado Airton Antônio Soligo, o Cascavel. A acusação: corrupção ativa.

No inquérito de número 1.067, O MPF-RR denuncia que, em julho de 1989, Cascavel, então prefeito de Mucajaí (RR), tentou subornar o delegado de agricultura em Roraima, Índio Busato do Nascimento, com o oferecimento de CZ$5.000,00 (cinco mil cruzeiros, a moeda naquele ano) pela liberação de uma caminhonete modelo D-10, cuja liberação em ato de corrupção seria camuflada sob a justificativa de “doação”.

De acordo com a folha 7 da denúncia da acusação do MPF de “oferecimento de vantagem ilícita à agente de administração pública”, Cascavel deixou rastros ao gravar por escrito sua proposta no verso de um cartão de visitas entregue ao servidor: “Dôo-lhe CZ$5.000(cinco mil cruzados) para me doar a D-10 2421306. Estude”.

O suborno foi recusado pelo servidor público, de acordo com a denúncia.

O cartão onde estava escrito o oferecimento de propina de Cascavel foi submetido a exame grafotécnico pela Polícia Federal, que chegou ao seguinte laudo:

“Todos os lançamentos manuscritos apostos no verso do cartão questionado, foram produzidos pelo punho escriturador de Airton Antônio Soligo”.

Na ocasião, o veículo estava sendo usado em plena campanha de vacinação de febre aftosa pelo interior de Roraima.

O que se segue após a denúncia é uma sucessão de mudanças de foro e anos com casas legislativas sentadas em cima do processo, que podem ser acompanhadas em detalhe na cronologia dos fatos exposta ao fim da reportagem, baseada no relato dos anais do congresso e da peça do MPF-RR.

Depois de mais de uma década com a denúncia perambulando em diferentes instâncias, Aírton Cascavel se viu livre de ser punido tanto em seus mandatos como na esfera penal por, em síntese, de acordo com o relatado pelo MPF-RR, tentar desviar um carro que estava sendo utilizado em uma campanha de vacinação.

Na mais perfeita metáfora de um país, 31 anos depois de ser acusado, com vasto conjunto probatório, conforme relatado na denúncia, de fazer um lance para se apropriar de um bem público utilizado em campanha de vacinação na pequena Mucajaí, o mesmo Aírton Cascavel é o responsável por estruturar os bens públicos para uma campanha de vacinação. Não mais em Mucajaí e sim em um país chamado Brasil.

CRONOLOGIA

Novembro de 1988– Cascavel eleito prefeito de Mucajaí

Julho de 1989– Cascavel tenta subornar delegado da agricultura de Roraima envolvido na campanha de vacinação da febre aftosa no interior do estado, como está na denúncia do MPF-RR

Outubro de 1990– Renuncia ao mandato como prefeito e se elege deputado estadual. A denúncia muda de foro e passa a necessitar da aprovação da assembleia legislativa de Roraima para ir adiante.

Agosto de 1994– depois de sentar em cima por algum tempo da denúncia, a assembleia de Roraima nega licença para instalação do processo.

Janeiro de 1995– O indiciado Aírton Cascavel passa a exercer o cargo de vice-governador e perde a imunidade parlamentar, com nova mudança de foro. O MPF ratifica e adita a denúncia, com o processo retomando seu curso.

Outubro de 1998 – Aírton Cascavel é eleito deputado federal e novamente o processo muda de foro, sendo remetido para o Supremo Tribunal Federal (STF). A Procuradoria Geral da República (PGR), ratifica a denúncia e devolve para a presidência do STF.

Setembro de 2001– no dia 5 daquele mês, doze anos depois da tentativa de suborno, de mudança de foro em mudança e de sentadas em cima da denúncia, o ministro do STF, Nelson Jobim, então relator do caso, solicita ao presidente da câmara, nas mãos de Aécio Neves, a licença para instalação do processo.

Dezembro de 2001 – muda o entendimento daquele momento e STF já não precisa de licença para instalar processo. Volta pro STF, que então declara prescrito. Na decisão, define-se que fica encerrado o processo de cassação do mandato mas que a ação penal não seria sustada por ter ocorrido antes da diplomação de Aírton Cascavel como deputado federal. Na esfera penal também foi encerrada posteriormente.

Outro lado:

A reportagem enviou pedido de respostas para o assessor especial do general Pazuello, Aírton Antônio Soligo, através da assessoria de imprensa do ministério da saúde. A assessoria solicitou para a Agência Sportlight de Jornalismo informações relativas ao número dos processos. A reportagem prestou tais esclarecimentos e respondeu ainda que, de qualquer forma, o assessor especial do ministério era conhecedor da denúncia, já que tinha efetuado a defesa sobre o caso nas mais distintas instâncias e foros. Ainda assim, a reportagem forneceu todas as informações solicitadas. Depois de 48 horas sem resposta para tão breves questões e de ter recebido as demais informações necessárias, o ministério da saúde não enviou qualquer resposta. Ainda assim, mesmo diante da absoluta ausência de resposta, a reportagem tentou contato por mais três vezes, devidamente registradas, novamente sem resposta. O ministério, via assessoria, voltou então a pedir mais esclarecimentos sobre a reportagem. Assim, diante da evidente falta de compromisso em informar e responder, comunicamos ao ministério que a pasta, tendo em mãos todos os elementos necessários, caso não enviasse a respectiva resposta, que iríamos publicar a reportagem.