Secretário de Cultura de Doria, Sá Leitão contratou a própria namorada por R$ 90 mil. Por Igor Carvalho

Atualizado em 12 de janeiro de 2021 às 23:26

Publicado originalmente no Brasil de Fato

Por Igor Carvalho

Sá Leitão e Jaqueline Roversi Rapozo – Foto: Reprodução / Instagram

Via Amigos da Arte, Organização Social contratada pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, a atriz Jaqueline Roversi Rapozo recebeu R$ 90 mil em seis meses, para apresentar sua peça Pandora em municípios do interior paulista. A artista é namorada do chefe da pasta, o secretário Sérgio Sá Leitão.

Roversi aparece na relação de artistas contratados pela Amigos da Arte nos anos de 2019 e 2020. A planilha está disponível no site da entidade. A primeira contratação ocorre em novembro de 2019, para a apresentação da peça Pandora, produzida pela namorada de Sá Leitão e pela atriz Jordana Korich, com direção de Leona Cavalli.

Na planilha da Amigos da Arte de 2019, o nome de Roversi aparece como contratada para três apresentações da pela, que custaram R$ 45 mil, e que teriam sido pagos entre os dias 12 de novembro e 12 de dezembro daquele ano. As exibições ocorreram em Mogi das Cruzes, Batatais e Bauru, nos dias 12, 15 e 19 de dezembro, respectivamente.

Em seu perfil no Instagram, no dia 15 de dezembro, a atriz publicou uma foto no Teatro Municipal Fausto Bellini Degani, em Batatais, interior de São Paulo, e agradeceu a Amigos da Arte e à organização do Circuito SP, evento itinerante do governo paulista, que leva diversos artistas para apresentações em todo o estado.

Um dia antes, em 14 de dezembro de 2019, Roversi publicou uma foto com o namorado, Sá Leitão, que já era secretário de Cultura em São Paulo, na despedida da maestrina Marin Alsop da direção musical e regência da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), que ocorreu em 12 de dezembro de 2019, na Sala São Paulo.

A segunda contratação ocorreu entre os dias 8 de maio e 8 de julho de 2020, durante o período da pandemia. No descritivo, a Amigos da Arte informa apenas que a empresa Amor e Arte & Produção Artística, que pertence à Roversi, foi remunerada em R$ 45 mil pela participação no projeto Circuito SP.

A única apresentação da atriz em 2020 para projetos culturais com a Amigos da Arte foi uma participação no projeto Cultura Em Casa, desenvolvido pela Organização Social durante a pandemia, em que diversos artistas se apresentaram em lives. Entre eles, Roversi, que no dia 2 de junho falou sobre Pandora durante 1 hora e 14 minutos, ao lado de Leona Cavalli e Jordana Korich.

“É crime”

A deputada estadual Isa Penna (PSOL), que integra a oposição ao governador João Doria (PSDB) na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), comentou a contratação da namorada de Sá Leitão.

“É crime”, vaticinou a parlamentar. “É um caso de improbidade administrativa. Nós estamos falando da concessão de um direito que é responsabilidade da administração pública. Então, na verdade, é um caso que fere a impessoalidade do direito público. A impessoalidade serve justamente para que você não tenha formas de organizar caixa 2 ou curral eleitoral. Isso só mostra quem vem junto com o pacote João Doria”.

Para a parlamentar, a responsabilidade deve ser estendida ao Palácio dos Bandeirantes. “O governador deve responder por isso também, ele é responsável por quem ele contrata. Precisamos afirmar que isso é crime sim. Do ponto de vista da execução do serviço público, isso é completamente ilegal.”

Amigos da Arte

Firmado em julho de 2016, o contrato da Amigos da Arte com a Secretaria de Cultura e Economia Criativa se encerra em 31 de outubro de 2021. O valor total é de R$ 153 milhões,  pagos em parcelas anuais de cerca de R$ 30 milhões. Entre as Organizações Sociais que atendem o governo paulista, somente a Fundação Osesp recebe mais, R$ 255 milhões.

A Amigos da Arte administra o Teatro Sérgio Cardoso, o Teatro Municipal de Araras, e o Museu da Diversidade Sexual. Também é responsável pela organização da Virada Cultural, do Circuito Cultural Paulista e o Revelando São Paulo.

“Aparelhamento”

A Amigos da Arte mantém em seus postos de comando pessoas ligadas a Sá Leitão. Essa proximidade é alvo de um inquérito civil, instaurado pelo Ministério Público de São Paulo para apurar a “suspeita de má gestão de recursos públicos e afronta aos princípios administrativos pela Organização Social de Cultura Amigos da Arte.”

Ainda de acordo com o MP, a entidade “manteria estreita ligação com a pasta, com a contratação de empresas e pessoas próximas ao atual secretário Sérgio Sá Leitão para prestação de serviços e cargos de direção.”

Outro lado

Em nota, a Amigos da Arte informou que é uma organização social privada e independente do governo paulista, cuja “programação artística é elaborada por meio de chamadas públicas, com comissões de seleção independentes, e através de curadorias especializadas, com profissionais renomados do setor cultural.”

“Em nenhum momento a Amigos da Arte leva em conta o estado civil ou as relações afetivas de artistas, produtores, técnicos e demais profissionais para contratar ou não espetáculos. Nossa missão é cultural, assim como nossos critérios”, diz a nota.

Ainda de acordo com a entidade, o espetáculo Pandora teve cinco temporadas em outros estados e “concorreu a diversos prêmios teatrais”.

“Foi incorporado à programação anual da Amigos da Arte com sucesso e obteve boa presença de público em suas apresentações, tendo sido contratado por valor compatível com os praticados no mercado”, diz o texto.

Consultada, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo informou que “considera lamentável associar a seleção de uma produção conduzida exclusivamente por mulheres, feita por uma curadoria independente, a um suposto favorecimento por um hipotético relacionamento afetivo”.

“Sérgio Sá Leitão não participa da seleção de projetos em nenhum dos programas e ações realizados ou apoiados pela pasta. A peça Pandora foi selecionada pela Amigos da Arte, uma organização social independente do governo do estado. Sua programação artística é elaborada por meio de chamadas públicas e de curadorias especializadas, com profissionais consagrados do setor cultural, com base em critérios exclusivamente artísticos e culturais”, finalizou a pasta.

Na planilha de 2019, Jaqueline Roversi Rapozo aparece como favorecida em uma contratação para três apresentações, com o valor de R$ 45 mil / Foto: Reprodução
Na planilha de 2020, mais uma contratação por R$ 45 mil / Foto: Reprodução