As definições de vergonha alheia foram atualizadas pela capa da semana da Veja São Paulo, “A capital do nordeste.”
Cada detalhe da composição – afora a notória cafonice – reflete uma imagem do nordeste e dos nordestinos que parece não ter sido atualizada desde Vidas Secas: uma parede cor de pau-a-pique (afinal, ainda não temos aqui casas de alvenaria), meia dúzia de nordestinos brancos que ganharam dinheiro em São Paulo e cactos – muitos cactos – pra lembrarem sertão, que lembra seca, que lembra nordeste na caricatura sulista/sudestina – e isso me lembra o quarto com tema “nordeste” do Big Brother Brasil, repleto de cactozinhos e xilogravuras, as únicas coisas que o pessoal da cenografia da globo conhece do nosso pedaço de paraíso.
A estética estereotipada e visivelmente preguiçosa da capa da Veja SP ainda não é – por mais incrível que possa parecer – o mais problemático nessa capa, provavelmente pensada por paulistanos que nunca tiveram o privilégio de pisar no nordeste.
Nem o título “capital do nordeste”, embora eu tenha a impressão de que, acaso fosse possível que uma região inteira tivesse apenas uma capital, esta capital estaria geograficamente localizada nessa região, e não fora dela.
O pior é a ideia velada (pero no mucho) de que nordestinos precisam sair do nordeste para serem bem-sucedidos.
Essa ideia está aliás também intimamente vinculada ao estereótipo de um nordeste miserável e sem perspectivas de crescimento – ideia tal tão enraizada em nós a ponto de muitos de nossos artistas mais talentosos da atualidade sentirem-se mesmo pressionados a abandonarem sua terra sob pena de não terem seu trabalho valorizado.
“São Paulo é um berço cultural”, dizem, se despedindo da terra de Raul Seixas e Jorge Amado em busca de um horizonte onde seja possível, quem sabe, viver melhor, e acabam se tornando por vezes o “paraíba” pagando dois mil de aluguel em 10 metros quadrados, e quem, afinal, poderá culpá-los?
O que eles muitas vezes não sabem – na maioria das vezes, eu diria – é que a São Paulo construída em grande parte pelos nordestinos não nos pertence, e que a maioria de nós ainda é, nessas terras distantes, apenas os paraíbas mão-de-obra barata.
Os “nordesters” bem-sucedidos da capa da veja são por óbvio exceção – porque se acaso não fossem, nossa cultura seria vista e respeitada, ao invés de descaradamente caricaturada em uma capa cafona.
Demistificar o estereótipo do nordeste vidas secas é a obrigação cívica de cada nordestino orgulhoso de seu pertencimento: apoiando artistas nordestinos, disseminando a cultura nordestina, afirmando nosso bairrismo saudável (e necessário) nas redes sociais e sobretudo rindo na cara de capas como esta.