Publicado originalmente no ConJur:
O procurador Deltan Martinazzo Dallagnol, que coordenou a frente paranaense da autodenominada “lava jato”, planejou em 2017 “um grau de renovação política”, para que só fossem eleitas em 2018 pessoas “comprometidas com mudanças”. O plano, pelo que se viu, deu certo.
A articulação de Dallagnol aparece nos diálogos da apelidada “força tarefa” interceptados pelo hacker Walter Delgatti e que vieram a público por decisão do ministro do STF, Ricardo Lewandowski, a pedido da defesa do ex-presidente Lula (Reclamação 43.007).
Já por essa época, na antevéspera da eleição de Jair Bolsonaro, Deltan tratava com Sérgio Moro do uso da “lava jato” para levar o juiz para o Supremo. Na ocasião, a 29 de agosto de 2016, o procurador se esforça para convencer Moro a ir ao último programa do apresentador Jô Soares. Na descrição de Deltan, seria um programa destinado a “humanizar e desmitificar” o juiz — trabalho de imagem que ele vinha fazendo em suas palestras, mas que na TV alcançaria “milhões de lares”.
Depois do fracasso da tentativa de aprovar o que chamou de “dez medidas contra a corrupção” — alterações em normas de processo penal que incluíam, por exemplo, o uso de prova ilícita para condenação de réus —, Dallagnol iniciou um “novo projeto”. Tratou-se, nas palavras dele, da “vingança das dez medidas”.
A ideia consistia em buscar apoio na sociedade civil — em sociedade com a Transparência Internacional (TI) e a Fundação Getulio Vargas — para expandir a proposta das “dez medidas” em outras áreas, como a de licitações, orçamento e em uma reforma política mais ampla. “FGV e TI já toparam (…), mas estamos começando ‘na sombra'”, disse Dallagnol. A ideia era encetar um negócio de alcance internacional, como a FGV mostra em seu site.
Para tanto, concebeu uma chamada “fase 1”, que resultaria em novas propostas de alterações legislativas. Em uma fase seguinte (“fase 2”), Dallagnol vislumbrou a criação de um selo que seria dado a candidatos no pleito de 2018 sem condenação criminal que se comprometessem com o que ele chamou de “dez medidas plus”. “O objetivo é buscar algum grau de renovação política e levar ao congresso pessoas comprometidas com mudanças”, escreveu o procurador. “Vou articular com movimentos ou com quem for mais estratégico um selo a ser dado [aos candidatos]”, afirmou.
A articulação política de Dallagnol, missão avessa às prerrogativas institucionais de um procurador da República, previu que o MPF agiria nos bastidores, se retirando dessa chamada “fase 2”. “Essas polêmicas [referentes à proposta original das “dez medidas contra a corrupção”] ficaram no passado e talvez tenham ajudado a mover um pouco a ‘overton window'”, concluiu. A “janela de overton”, ou “janela do discurso”, se refere às ideias que são toleradas no discurso público, mas que não necessariamente fazem parte das preferências individuais dos políticos.