O desejo de expulsão da rapper Karol Conká do Big Brother Brasil 21 é uma das poucas coisas – talvez a única – que unem o Brasil neste momento. Ela não precisou de muito tempo pra demonstrar sua arrogância, sua perversidade e seu ego maior do que o hate que tem recebido nas redes sociais.
Ontem, a maior página de fanbase da cantora no Instagram desativou o perfil com as palavras: “Descobrimos que ela é uma pessoa horrível e queremos que ela se f*da”.
Sua ex-empresária, Drica Lara, que trabalhou diretamente com Karol por pelo menos cinco anos, fez um desabafo na noite de ontem chamando-a de “mau-caráter”, por ter propositalmente destruído sua carreira entre os outros rappers acusando-a, sem provas, de racismo.
Depois dos ataques xenofóbicos a uma participante nordestina e do terror psicológico que tem sido praticado por Karol contra Lucas Penteado – outro negro tratado como lixo em rede nacional -, eis que o Brasil descobre o óbvio: nem todos os militantes são alecrins dourados da igualdade.
Assim como o privilégio não transforma ninguém em monstro, a falta dele não torna ninguém um anjo.
A “geração tombamento” – que foi assim batizada graças a uma música de Karol Conká – nunca foi um poço de coerência. Quem frequenta a universidade nesses tempos sabe: tá cheio de Karol Conká por aí.
Gente que usa seu “lugar de fala” (um conceito que vem sendo erroneamente empregado há anos) para silenciar e humilhar os outros. Gente que quer discutir temas de extrema relevância para uma sociedade inteira baseando-se apenas em “vivências”, de preferência excluindo do debate qualquer um que não concordar.
Enquanto uma mulher não-negra, dizer isso me exige coragem. Mas se há um momento propício para que este silêncio seja quebrado, ele chegou. Para além disso, não direciono minha crítica às pessoas negras: ela está direcionada a uma militância identitária (inclusive a militância feminista nas Universidades) que se porta com arrogância e se iguala, muitas vezes, aos fascistas que diz combater.
Desde que essa militância deixou de ser em muitos espaços um movimento de fato político e passou a ser – assim como tantos outros – apenas uma forma de se afirmar e se colocar no mundo, a lacração irrefletida e por vezes hipócrita tornou-se regra.
É minha obrigação moral, entretanto, salientar o que talvez poucos se dignem a refletir: Karol Conká não é o movimento negro. A geração tombamento não representa – ou ao menos não em sua totalidade – o movimento negro.
É preciso separar o joio do trigo.
O antirracismo – aquele de fato estuda, se articula e constrói – está organizado em movimentos sociais nas periferias e zonas rurais desse Brasilzão, e, em geral, não tem tempo pra tombar. São as mulheres rurais com as quais trabalho diretamente todos os dias, que tratam os outros com afeto e respeito. São aquelas que, na maioria esmagadora das vezes, sequer tem espaço na mídia mainstream.
Carol, assim como tantas, é apenas uma mau-caráter – valendo-me das palavras de quem a conhece melhor do que eu – que surfa na onda de um movimento que não conhece, fingindo defender causas que no fundo não defende (enfim, a hipocrisia) pra assumir um lugar de superioridade moral e, é claro, faturar uma grana.
Não é justo assumir que essa gente representa o antirracismo politicamente organizado, gente que não discute políticas públicas ou ideias em torno do enfrentamento ao racismo – antes disso, se ocupa em cancelar os outros na internet.
O cancelamento, aliás, é a especialidade dessa militância identitária podre. Cancelam meio mundo e quando os outros querem cancelar um deles: “ai, cancelamento é coisa de fascista!” Juram, meus alecrins? E só agora vocês perceberam isso?
Já era tempo de percebermos – e tudo bem precisar de um reality show pra isso, pois nunca devemos menosprezar o poder da cultura de massas – que, pra muita gente que surfa na onda o identitarismo – assim como a Conká – militar é de fato só uma forma de aparecer.
Ouso ainda dizer – correndo sério risco de ser cancelada – que esses exemplares de arrogância e preconceito estão aí por toda a parte, e, com um pouco de boa vontade, não é difícil reconhecê-los. E que o que separa Karol Conká da verdadeira militância é o respeito ao coletivo.
Quer saber quem de fato luta por uma causa e quem quer apenas um “lugar de fala” pra diminuir os outros e ganhar dinheiro? Observe quem luta por um grupo e quem luta apenas por si, e repare bem naqueles que dizem ou querem fazer parecer que empoderamento tem a ver com “mamacita fala, vagabundo senta”.
Não existe empoderamento individual: toda luta válida é coletiva. O resto é lacração barata.
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