Por Daniel César, especial para o DCM
O prefeito de Birigui, cidade do interior de São Paulo a 456 km da capital, Leandro Maffeis (PSL), bolsonarista convicto, vem protagonizando um show de horrores em seu primeiro mês de mandato à frente da administração. Ele trava uma queda de braço com a OSS (Organização Social de Saúde) Irmandade Santa Casa de Birigui e chegou a proibir repasses para a entidade, responsável pela administração da saúde municipal.
Para piorar a situação, o chefe do poder executivo da cidade de pouco menos de 125 mil habitantes invadiu, na noite do último dia 26 de janeiro, o Pronto Socorro Municipal para decretar uma intervenção da Prefeitura.
A guerra entre Maffeis e a Irmandade começou logo no primeiro dia de gestão do bolsonarista, que não fez os repasses necessários para a OSS seguir cuidando da saúde local. E a entidade não é responsável apenas pelo Pronto Socorro, mas por toda a gestão da saúde pública de Birigui, inclusive das UBSs (Unidades Básicas de Saúde). A falta de repasse gerou problemas nas contas e os trabalhadores, que não são funcionários públicos, tiveram seus salários atrasados em plena pandemia do novo coronavírus.
Para driblar o contrato firmado entre Prefeitura e OSS antes de iniciar sua gestão, o atual prefeito decretou Estado de Calamidade Pública em Birigui “em razão da paralisação dos atendimentos eletivos nas Unidades Básicas de Saúde -UBSs”.
O DCM apurou, no entanto, que Maffeis manipulou a situação para a fabricação do decreto, já que os atendimentos eletivos estavam suspensos desde 29 de março de 2020 em razão da Covid-19. Para vencer a batalha, o bolsonarista chegou a dar cabo de um documento assinado na gestão anterior, um Termo Aditivo que mantém o contrato entre as partes em vigência.
Segundo nota oficial da OSS, o prefeito teria afirmado da inexistência do termo. Mas isso foi desmentido publicamente por Cassandra Barbiero Herrera, antiga Chefe de Auditoria e Controle da Prefeitura na gestão anterior. A ex-funcionária, inclusive, registrou Boletim de Ocorrência na polícia contra a atual administração por conta disso, ao mesmo tempo em que a Santa Casa de Birigui ameaçou Maffeis, lembrando que sumir com um documento público configura crime.
Por conta do imbróglio criado na cidade em plena crise do coronavírus, os funcionários da Saúde decidiram entrar em greve até que o caso fosse resolvido e chegaram a enviar documento para que o prefeito se manifestasse sobre a intenção ou não de fazer o repasse. Ao invés de conversar com os funcionários, Maffeis abriu processo seletivo para a contratação temporária de mais de 100 profissionais ligados à área, provocando uma fila quilométrica – com direito a aglomeração – na busca pelas vagas.
Fontes ouvidas pela reportagem garantem que isso irritou os antigos servidores, e que eles estão se organizando, com o apoio da OSS, para procurar a Justiça contra o prefeito, inclusive para tentar barrar as contratações. Enquanto isso, até o dia 28 de janeiro, Birigui contava com 5887 casos confirmados de coronavírus e 156 óbitos confirmados, a média móvel está em 44,5.
Para se ter uma ideia do caos, o Estado de São Paulo conta com 3806 casos para cada 100 mil habitantes, enquanto Birigui tem 4761 casos para os mesmos 100 mil habitantes. Já o acúmulo de mortes mostra que a cidade tem 126 para cada 100 mil habitantes, enquanto o estado está com 114.
Justiça manda Prefeitura fazer repasse milionário
No último dia 26, o Tribunal de Justiça de SP deu cinco dias úteis para que a Prefeitura depositasse um repasse milionário para a Irmandade da Santa Casa de Birigui, cuja dívida chegaria ao montante de R$ 3 milhões. O juiz Lucas Gajardoni Fernandes decidiu alegando que a Santa Casa é o único hospital para o enfrentamento da crise da Covid-19.
“É fato notório, portanto isento de prova, que o município de Birigui não dispõe de hospital para prestar atendimento aos casos graves que demandam internação hospitalar. Tais atendimentos, efetivamente, são realizados pela Santa Casa de Birigui, que segundo narrado na inicial, depende dos repasses para continuar a prestar seus serviços”, escreveu ele na sentença.
Como o decreto de Calamidade Pública alegou que a OSS é investigada pela Operação Raio X, que apura fraudes em contratos públicos de Saúde, fato desmentido pela entidade em nota oficial, o juiz fez questão de lembrar: “Ademais, até o presente momento, nenhuma destas pessoas ora investigadas foi condenada pela prática dos crimes que lhes foram imputados. Tampouco se tem notícia de deliberação dos juízos em que tramitam as ações penais oriundas da Operação Raio X no sentido de suspender repasses do Poder Público à entidade autora”.
Prefeito invade e “rouba” Pronto Socorro
Assim que conheceu a informação, o prefeito Leandro Maffeis decidiu tomar uma atitude intempestiva e invadiu o Pronto Socorro, com direito a transmissão ao vivo em suas redes sociais. “Nós estamos assumindo o controle do Pronto Socorro, e não sai nada daqui sem a minha autorização”, afirmou o bolsonarista para os funcionários que estavam sendo filmados sem autorização.
Nitidamente constrangidos, os servidores da Saúde e que trabalhavam no PS no momento da invasão apenas fizeram sinais de concordância enquanto milhares de pessoas acompanhavam o “roubo” ao vivo no Facebook. O vídeo conta, até a publicação da reportagem, com mais de 2 mil curtidas e está chegando na casa dos 2 mil comentários, quase todo da população de Birigui, que apoiou a decisão em sua maioria.
Na mesma noite, a OSS soltou nota para informar que a Prefeitura assumiu o controle do Pronto Socorro e que, por isso, as avaliações de pediatria, obstetrícia, ortopéticas e até cirúrgicas passaram para o controle da Administração Municipal.
O prefeito Leandro Maffeis comemorou nas redes sociais a decisão da Justiça de suspender a ordem de repasse depois da invasão ao prédio do Pronto Socorro. Em postagem em seu perfil no Facebook, o bolsonarista comemorou que não será mais necessário o repasse, porém, isso não é verdade, e a decisão do Tribunal de Justiça é diferente do que ele deu a entender.
Na nova decisão, o mesmo juiz apenas revogou a urgência de repasse do convênio referente ao repasse para o Pronto Socorro, já que a Prefeitura de Birigui assumiu o controle do prédio. Mesmo assim, o TJ manteve a decisão que obriga a Administração Municipal a repassar o equivalente aos outros dois convênios, da Santa Casa e da gestão das Unidades Básicas de Saúde.
Quem é Leandro Maffeis
O empresário Leandro Maffeis tem 40 anos e se lançou candidato em 2020 para concorrer ao cargo de prefeito municipal de Birigui se filiando ao PSL. Na tentativa de se mostrar o mais fiel dos bolsonaritas, o político usou o mesmo slogan que elegeu Jair Bolsonaro à presidência da república em 2018, “Birigui Acima de Tudo, Deus Acima de Todos”.
O que poderia parecer uma brincadeira de mau gosto tomou conta do município e, mesmo não conseguindo a popularidade que gostaria, Maffeis viu a prefeitura cair em seu colo no dia das eleições ao derrotar seu principal adversário Cristiano Salmeirão (PTB), que era o prefeito. Nas urnas, o bolsonarista ficou com 48,76% dos votos válidos, enquanto o prefeito da época teve 35,16%.