Publicado originalmente no site do Consultor Jurídico (ConJur)
Em 2018, enquanto a Polícia Federal buscava concluir a perícia feita em dois elaborados sistemas de propina da Odebrecht, procuradores da “lava jato” no Paraná brincavam sobre como era tratado o material que levou Lula a ser condenado e preso. A conversa consta em um documento enviado pela defesa do petista nesta segunda-feira (8/2) ao ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal.
No dia 14 de fevereiro de 2018, a procuradora Isabel Grobba informou aos colegas que o delegado Felipe Hayashi solicitou informações complementares sobre a cadeia de custódia dos sistemas Drousys e MyWebDay, entregues ao MPF no Paraná como parte do acordo de leniência da Odebrecht, assinado em 2016. Nos sistemas estariam as provas de que Lula teria recebido vantagens ilícitas da construtora.
Os dados foram levados para a perícia em sacolas de supermercado, segundo narrou o procurador Januário Paludo. “O pessoal que esteve [em] Brasília, recebeu os cds digo, os arquivos em sacolas de supermercado, plugava direto no computador os arquivos originais […] tem que ser checadas essa história e esclarecida. Não somos assim incompetentes.”
A procuradora Jerusa Burmann Viecili confirmou. “Levamos o drousys numa sacola de supermercado mesmo para Brasília”. Em seguida, Paludo faz piada: “Tomara que tenha sido do Bourbon e não do Carrefour”.
O procurador Athayde Ribeiro Costa se junta aos colegas e arremata dizendo que as sacolas eram do Pão de Açúcar. “Ta ai a cadeia de custódia”, diz.
A cadeia de custódia diz respeito à documentação que assegura a lisura das provas apresentadas, fazendo referência à coleta dos dados, ao controle, transferência e origem do material usado.
Laudo
A defesa do ex-presidente Lula sempre contestou a integridade dos sistemas da Odebrecht. Um laudo complementar feito por um perito contratado pelos advogados do petista concluiu justamente que não há comprovação de que os documentos recebidos pelo MPF vieram diretamente de servidores da Odebrecht na Suíça, caracterizando a quebra da cadeia de custódia.
Conforme noticiou a ConJur em fevereiro de 2020, peritos da Polícia Federal chegaram a admitir que os arquivos podem ter sido adulterados. Ainda assim eles foram usados para sustentar diversas acusações contra Lula.
As conversas divulgadas hoje também revelam que o MPF, ao menos até 2018, nunca acessou diretamente parte do material entregue pela Odebrecht a partir de servidores na Suíça. Embora o acordo de leniência estabeleça que a construtora compartilhe os arquivos do MyWebDay, o sistema nunca foi aberto porque as chaves de acesso teriam sido perdidas.
“Essa é uma história que acompanhamos desde antes de assinar o acordo. Foram feitas várias tentativas, inclusive com empresas especializadas e o FBI, mas não foi possível abrir o sistema […] As chaves de acesso foram entregues a Maurício Ferro [ex-vice-presidente jurídico da Odebrecht] e ele jogou fora”, afirma em um grupo de procuradores uma pessoa identificada apenas como “Paulo”. A conversa é de 29 de janeiro de 2018.
Paulo também diz que, embora nunca tenha existido acesso direto ao MyWebDay, contrariando o que o MPF sempre afirmou, “fontes” teriam mandado informalmente aos procuradores trechos do sistema.
“São dois sistemas da Ode [Odebrecht]. O Drousys nós temos integralmente. O MyWebDay é que não temos acesso diretamente ao sistema, apesar de termos muitas imagens por outras fontes.”
Burla
Outro trecho mostra que os procuradores tinha até grupo no Telegram para que a cooperação internacional com autoridades da Suíça ocorresse de modo informal. A sala foi criada por Dallagnol e contava com a presença de Stefan Lenz, procuradores que liderava as investigações contra a Petrobras e a Odebrecht no país europeu.
“Como prometido, aqui está o grupo. Esse é o pedido da Suíça. Este grupo foi criado para discutir qualquer coisa relacionada a esse pedido confidencial. Caro Stefan, por favor, adicione quem você achar que deve estar no grupo”, diz Dallagnol, em inglês.
Os diálogos divulgados hoje reafirmam que a “lava jato” no Paraná burlava o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) e cooperava com autoridades estrangeiras de maneira informal. Isso porque, segundo o Decreto 6.974/09, a cooperação com a Suíça deve passar pelo DRCI, que é ligado ao Ministério da Justiça.
Stefan era próximo dos procuradores. Conforme revelação recente, feita pelo colunista Jamil Chade, do UOL, ele chegou a sugerir, em carta de julho de 2016 endereçada ao procurador Orlando Martello, que a Petrobras o contratasse para que a empresa tivesse mais possibilidades de recuperar dinheiro desviado.