Candidato indígena à presidência do Equador comemorou golpes contra Dilma e Evo Morales

Atualizado em 14 de fevereiro de 2021 às 20:14

Publicado originalmente no Brasil de Fato

Artigo defende que suposto progressismo de Yaku Pérez se restringe a pautas ambientais, mas que na política externa, “ele tem se mostrado profundamente de direita” – Rodrigo Buendía/AFP

O primeiro turno da eleição presidencial no Equador, realizado nesse domingo (07), indicou uma possível surpresa para o segundo turno. Embora as pesquisas de intenção de voto apontassem um possível segundo turno entre o candidato correísta Andrés Arauz e o influente empresário de direita Guillermo Lasso, a apuração (ainda em andamento) pode levar o terceiro candidato, o indígena Yaku Pérez, ao segundo turno contra Arauz.

Este possível segundo turno seria marcado, então, pela disputa entre Andrés Arauz, um jovem economista de esquerda, que segue os passos do ex-presidente Rafael Correa e quer trazer de volta sua Revolução Cidadã, e Yaku Pérez, que se apresenta como uma alternativa progressista e ambientalista ao país.

No entanto, diversos setores da esquerda têm considerado que tanto Pérez, quanto seu partido, o Pachakutik, podem atuar como um “cavalo de tróia” para a direita em seus ataques à esquerda e ao progressismo latino-americano.

Em um artigo publicado no portal The Grayzone, o jornalista Benjamin Norton, levanta extensamente alguns pontos contraditórios da trajetória de Pérez. Entre eles, está o tom elogioso das declarações do indígena à perseguição política contra lideranças progressistas na região, incluindo o impeachment contra Dilma Rousseff, no Brasil, o lawfare contra Cristina Kirchner, na Argentina, e o recente golpe de Estado na Bolívia em 2019.

Na análise do jornalista, a visão política de Pérez combina críticas à esquerda dos governos progressistas “com uma agenda política objetivamente de direita”. Já o partido de Yaku Pérez, o Pachaktik, se identifica como “ecossocialista” e afirma representar as comunidades indígenas do Equador. No entanto, seu candidato presidencial parece empregar “uma retórica de esquerda que está repleta de metas regressivas”.

Abaixo, apresentamos alguns dos temas em que as declarações de Pérez parecem ir na contramão de um caminho progressista, sobretudo no que diz respeito à política externa e integração latino-americana.

Declaração polêmica sobre auxílio a famílias pobres equatorianas: “gastariam tudo em cerveja”.

Ao comentar a proposta de criação de um auxílio às famílias mais pobres do país, apresentada por Arauz como forma de aliviar a atual crise econômica, social e sanitária e dinamizar a economia, Pérez atacou o argumento de seu concorrente dizendo que as famílias pobres “gastariam todo o dinheiro em cerveja no mesmo dia”.

Apoio do direitista Lasso

O principal candidato da direita nas eleições de 2021, o milionário banqueiro Lasso, não se sentiu ameaçado pela retórica “ecossocialista” de Pérez e seu partido Pachakutik. Segundo o artigo do The Grayzone, “ele parece estar bem ciente de que o rótulo é apenas um estratagema de marketing”, pois declarou publicamente que, se Pérez de alguma forma chegasse ao segundo turno, o apoiaria de bom grado para derrotar o correísmo.

No entanto, o apoio do banqueiro não representa necessariamente uma surpresa já que, em 2017, antes de mudar o seu nome de Carlos para Yaku, o próprio Pérez apoiou a candidatura de Lasso.

Ambientalismo x desenvolvimentismo

Yaku Pérez Guartambel diz querer que os equatorianos usem menos carros e plantem mais árvores. Ele propõe o fim da mineração no país e uma restrição à extração de petróleo. O candidato do Pachakutik critica o movimento correísta por sua dependência do extrativismo.

O analista Ben Norton ressalta que o Equador é um antigo país colonizado e em desenvolvimento e, portanto, relativamente pobre em comparação com as nações imperialistas do Norte Global. Mas tem uma vantagem: grandes reservas de petróleo e minerais.

Segundo ele, estes recursos foram fundamentais para os programas políticos e econômicos impulsionados por Correa e retomado agora por seus seguidores, defendendo seu uso para o desenvolvimento do país, financiamento de programas sociais e investimento de bilhões de dólares no acesso universal à saúde, educação de alta qualidade e infraestrutura avançada.

Apoio “de esquerda” ao golpe na Bolívia e fratura do movimento indígena no país

Na análise do jornalista responsável pelo levantamento, a suposta aparência progressista do programa político de Pérez termina em suas políticas ambientais. Quando se trata de política externa, “ele tem se mostrado profundamente de direita”.

Norton expõe que enquanto Pérez usa sua herança indígena para reivindicar representar as comunidades indígenas do Equador, muitos de seus integrantes estão contra o candidato e seu partido.

Esta divergência teria aumentado após as declarações de Pérez em apoio ao golpe de Estado na Bolívia em novembro de 2019.

Em outubro de 2020, o Movimento ao Socialismo (MAS) venceu as eleições. Vários líderes indígenas equatorianos foram convidados para a posse do Presidente Luis Arce, mas Pérez não foi um deles. E o motivo para isto está nas suas críticas ao ex-presidente Evo Morales.

Mesmo antes da violenta operação de mudança de regime, Pérez acusava a Morales, na Bolívia, e Correa, no Equador, de “autoritarismo, machismo, extrativismo e populismo” e se recusou terminantemente a reconhecer a legitimidade do governo de Evo.

Após declarar-se a favor do golpe de Estado encabeçado por Jeanine Áñez, segundo o artigo, Pérez “permaneceu em silêncio sobre a Bolívia, não dizendo uma palavra sobre a junta, liderada por extremistas cristãos racistas que massacraram os manifestantes indígenas”.

Apoio a outros golpes na América Latina

O golpe na Bolívia não é a única campanha de mudança de regime na região que o candidato presidencial equatoriano apoiou.

Em novembro de 2016, Pérez elogiou impeachment contra Dilma Roussef e o fim do governo do Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil, ao mesmo tempo em que se colocou do lado da campanha de direita que atacava a então presidenta progressista da Argentina, Cristina Kirchner.

Sua crítica, nessa ocasião, se estendeu ainda ao então governo do Equador, de Rafael Correa, e Nicolás Maduro, na Venezuela: “A corrupção derrubou o governo de Dilma Rousseff e Cristina”, disse Yaku Pérez. “Agora só falta que Correa e Maduro caiam”. É apenas uma questão de tempo”.

Edição: Luiza Mançano