Publicado no Instituto Humanitas Unisinos
“É impensável que um oligopólio de empresas privadas detenha o poder inatacável de decidir quem, quando e onde se vacinar contra a Covid: eles devem ceder as patentes que ainda mantêm.” Joseph Stiglitz, 78 anos, o guardião dos excessos da globalização, o profeta da luta contra as desigualdades, está de volta às trincheiras, como com Occupy Wall Street (cujos excessos inclusive ele reconheceu) e com os movimentos anti-Trump: o ganhador do Prêmio Nobel escolhe como nova frente de batalha a mais dramática.
A entrevista é de Eugenio Occorsio, publicada por Repubblica, 08-02-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
A luta contra a Covid se torna uma luta contra as desigualdades?
A OCDE refez os cálculos após a assombrosa escassez de suprimentos e estima que nos países industrializados a maior parte da população será vacinada em meados de 2022, para os países de renda média o prazo se estende até o final de 2022 – início de 2023, para os países mais pobres, a imunização em massa não será alcançada antes de 2024. As desigualdades se ampliam em vez de reduzi-las, para permitir que as empresas maximizem os lucros vendendo primeiro para aqueles que podem pagar mais.
A primeira solução em que se pensa é um aumento nas doses em circulação. A suspensão da proteção das patentes ajudaria?
Claro, mesmo que haja outros gargalos. Não é fácil encontrar locais de produção em todo o mundo capazes de produzir genéricos de vacinas, que exigem equipamentos, procedimentos, filtrações e matérias-primas completamente novos e diferentes. Então, devo admitir, cria-se um precedente que não é isento de contraindicações: as empresas poderiam hesitar no futuro antes de realizar pesquisas tão complexas e caras se estivessem preocupadas que, ao chegarem no final, fossem impossibilitadas de ganhar dinheiro. Porém, vamos olhar isso bem de perto. São motivações friamente econômicas, não se sustentam mais quando olhamos para o cerne do problema: a perda de milhões de vidas.
E então?
Precisamos projetar um sistema de licenças, controladas e eventualmente financiadas pelos governos, identificando e mobilizando as empresas mais eficazes para ampliar a produção de vacinas, mantendo o nome e a marca. Ou uma suspensão de patente limitada à emergência da Covid, talvez mediante o pagamento de royalties moderados às empresas que arcaram com os custos de pesquisa e desenvolvimento. Para os quais, lembramos, eles receberam abundantes subsídios públicos. Em todo caso, a distribuição deve ser calibrada com esforços de solidariedade e sem implicações geopolíticas: a OCDE ainda calcula que os 92 países mais pobres precisam imediatamente de 1,3 bilhão de doses.
As comunidades científica e industrial, no entanto, deram mais de uma prova de solidariedade neste caso. Você reconhece isso?
Certo. A ciência compartilhou os resultados da pesquisa, começando com o genoma do vírus. E a indústria imediatamente disponibilizou as tecnologias dos capacetes respiratórios ou a produção de máscaras. Mas a questão recrudesceu com os monopólios de kits de testes que atrasaram os testes em massa, e agora que o negócio se tornou gigantesco dispara a “legítima defesa”. Mesmo para os medicamentos, do remdesivir e o favipiravir, a abordagem foi rígida. A velha atitude das empresas farmacêuticas usadas por décadas para privatizar e manter a propriedade intelectual reaparece, renunciando no máximo às licenças menos lucrativas, fazendo lobby contra a aprovação e a distribuição dos genéricos, encontrando todas as brechas para estender os prazos das patentes.
Você vê soluções rápidas?
A velocidade é ditada pela verdade assustadora: os monopólios matam. No entanto, no passado, houve casos virtuosos. Sem voltar aos anos 1950, quando Jonas Salk inventou a vacina contra a poliomielite e a tornou imediatamente disponível para quem quisesse produzi-la, há o exemplo do HIV para o qual foram encontradas formas de acordo econômico adequado para distribuir os medicamentos. Nos países mais pobres a ponto de acabar com a mortalidade. É urgente fazer algo semelhante, sem perder mais um dia.