Publicado originalmente no RFI:
O ex-presidente de esquerda da Bolívia Evo Morales pediu neste sábado (13) que se “investigue e sancione os autores e cúmplices” do que denunciou como um “golpe de Estado” contra ele, após a prisão por sedição de sua sucessora interina, a conservadora Jeanine Áñez.
“Por justiça e verdade para as 36 vítimas fatais, os mais de 800 feridos e mais de 1.500 detidos ilegalmente no golpe de Estado. Que se investigue e sancione os autores e cúmplices da ditadura que abalou a economia e prejudicou a vida e a democracia na Bolívia”, escreveu Morales, em sua conta do Twitter.
Por ordem do Ministério Público, Áñez – advogada e política de direita de 53 anos – foi presa neste sábado devido a uma denúncia apresentada em dezembro por Lidia Patty, ex-legisladora do Movimento Ao Socialismo (MAS, esquerda), de Morales.
Segundo a denúncia, Áñez, o líder da região de Santa Cruz (leste), Luis Fernando Camacho, e vários ex-ministros, ex-militares, ex-policiais e civis, promoveram a queda de Morales em novembro de 2019. Ele estava havia 14 anos no poder.
Jeanine Áñez denunciou sua prisão como “ilegal”. Nas redes sociais, ela denunciou “um ato de abuso e perseguição política”. O governo “me acusa de ter participado de um golpe de Estado que nunca aconteceu”, disse Áñez, também pelo Twitter.
Em La Paz, a ex-senadora foi levada para um quartel da polícia e, depois, para o Ministério Público, onde deu declarações.
“É um ultraje absoluto, porque nos acusam de sermos cúmplices de um suposto golpe, é algo que não tem pé nem cabeça, é uma intimidação absolutamente política”, denunciou Áñez.
Sedição, terrorismo, conspiração
O Ministério Público da Bolívia emitiu na sexta-feira uma ordem de prisão contra a ex-presidente e vários de seus ministros, denunciados por crimes de sedição, terrorismo e conspiração. Dois deles, Álvaro Coímbra, ex-chefe da Justiça, e Rodrigo Guzmán, da Energia, foram detidos em Trinidad e transferidos para La Paz.
Áñez substituiu Morales constitucionalmente após a renúncia dele em novembro de 2019, em meio aos protestos após eleições denunciadas como fraudulentas a favor de Morales, que buscava um quarto mandato. Ela liderou o governo até novembro de 2020, quando o atual presidente, Luis Arce, foi eleito.
Em uma carta, Camacho alertou que “os bolivianos não ficarão de braços cruzados diante do abuso” e garantiu que não deixará o país. Camacho venceu a eleição do fim de semana passado para governador da rica região de Santa Cruz (leste), com mais de 55% dos votos.
A ordem dos promotores abrange também os ex-ministros Arturo Murillo (Interior), Luis Fernando López (Defesa) e Yerko Núñez (secretaria da Presidência).
Ex-presidentes criticam prisões
Os ex-presidentes da Bolívia Carlos Mesa (2003-2005), de centro, e Jorge Quiroga (2001-2002), de direita, rejeitaram separadamente as prisões e ordens de prisão. Ambos foram atores-chave para a transição do governo de Morales para o de Áñez. “Estamos em um processo de perseguição política pior do que nas ditaduras. Está sendo executado contra quem defendeu a democracia e a liberdade em 2019”, disse Mesa no Twitter.
Já Quiroga apontou que “começa uma caça à vingança”, ao que o presidente Arce respondeu afirmando que ele “é um aprendiz de tirano”.
Um grupo de investigadores da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) está na Bolívia para apurar as circunstâncias da saída de Morales do poder.