Originalmente publicado em INTITUTO BRASIL-ISRAEL
Por Daniela Kresch
Cada país com o seu interesse. E, certamente, Brasil e Israel têm objetivos distintos quando decidem colaborar. Fora isso, nem sempre um país dá a mesma importância para o outro. Um dos maiores exemplos disso tudo foi a visita da delegação brasileira a Jerusalém, neste começo de março (7 a 9 do mês), liderada pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e pelo filho 03 do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro.
No Brasil, a viagem produziu manchetes, memes e análises. Foi parar em todos os jornais, TVs, rádios e sites de notícias, canais do Youtube e, claro, em threads no Twitter.
Em Israel? É um desafio encontrar israelenses que saibam ou se lembrem de ter visto algo sobre essa visita. Certamente, o nível de importância – pública ou diplomática – não pode ser comparado. Infelizmente, na balança dessa ligação internacional, o Brasil não está para Israel como Israel está para o Brasil.
Um exemplo? Araújo e Bolsonaro foram recebidos pelo premiê Benjamin Netanyahu por pouco tempo, em uma reunião que foi desmarcada e remarcada várias vezes. E, ao final, a assessoria do primeiro-ministro não divulgou uma frase ou uma foto sequer do encontro, denotando a pouco importância para o mandatário israelense, mais interessado em sua campanha eleitoral. Uma foto acompanhada de um pequeno texto só saiu nas redes sociais 6 horas mais tarde, por insistência de jornalistas brasileiros.
No dia anterior, Araújo foi recebido pelo Ministro das Relações Exteriores, Gabi Ashkenazi, que perguntou a assessores como ele se chamava e como pronunciar seu sobrenome. Mas errou assim mesmo (“Arajuo”). Em seu discurso após o encontro, falou do relacionamento entre os dois países a partir de clichês básicos como o papel de Oswaldo Aranha na Partilha da Palestina, em 1947.
E na mídia? Não tem comparação. No Brasil, a visita foi super divulgada e polêmica. Teve a questão das máscaras: pessoas que, no Brasil, não costumam usá-las (a exemplo do presidente Jair Bolsonaro, que parece ter mudado de ideia só nos últimos dias), tiveram que aceitar as diretrizes do governo de Israel, onde é obrigatório colocar máscara em todo e qualquer local público. Fotos e vídeos mostram o chanceler brasileiro esquecendo de pôr a máscara antes de uma foto com o colega israelense, Gabi Ashkenazi, e o filho do presidente usando a máscara errado (com o nariz de fora) no encontro com Netanyahu.
Ainda houve a discussão sobre o motivo alegado para a visita: o interesse do governo brasileiro em realizar, em solo nacional, as fases 2 e 3 dos testes para o desenvolvimento do spray nasal contra a Covid-19 criado no Hospital Ichilov. Para os críticos, o Brasil deveria investir agora em comprar vacinas, não apostar em remédios que engatinham.
E o que foi noticiado em Israel sobre a visita dos brasileiros? Pouco, muito pouco. Quase não se falou sobre acordos de cooperação ou sprays milagrosos (o remédio do Ichilov é mais uma das descobertas anunciadas diariamente na imprensa).
Na verdade, ficou parecendo, a julgar pela nota à imprensa da chancelaria israelense, que Ernesto Araújo e Eduardo Bolsonaro vieram para o país para apoiar Israel em fóruns internacionais: votar “não” em resoluções anti-Israel na ONU ou na investigação do TPI quanto a crimes de guerra no conflito de 2014 contra o grupo palestino Hamás.
A nota começa dizendo que Israel e Brasil estão “trabalhando juntos para aumentar a cooperação bilateral na guerra contra o vírus”. Mas logo passa para questões políticas e terminou com Ashkenazi dizendo: “Agradeço ao governo brasileiro por sua posição contra a decisão da promotora do TPI”.
Quer dizer: no Brasil, todos sabiam que a delegação estava aqui e que o foco principal era um remédio contra a Covid (e outros acordos tecnológicos). Em Israel, ninguém nas ruas tinha ideia dessa visita, que foi noticiada mais com algo relacionado aos interesses israelenses. Uma das poucas reportagens impressas sobre a viagem, do jornal “Israel Hayom” (Israel Hoje), abertamente pró-Bíbi, deu como manchete, por exemplo, a suposta intenção do governo brasileiro de declarar, em breve, a guerrilha libanesa Hezbollah como “grupo terrorista”.
O site do maior jornal do país, o “Yedioth Aharonot” (Últimas Notícias), até noticiou a vinda da delegação do Brasil (perguntando se seria inteligente Israel receber gente do país mais virulento do momento). Mas a reportagem não chegou a ser publicada no jornal impresso.
A única boa matéria sobre a visita foi feita pelo canal “Kan 11“, no último dia da viagem. Aliás, foi a única matéria de TV. O repórter, Amichai Shtein, resistiu à tentação de editar uma reportagem chapa-branca. A questão do spray do Ichilov foi citada de passagem, mas Shtein focou na posição negacionista de Jair Bolsonaro e na falta de leitos nos hospitais do país. E perguntou ao chanceler Araújo: “O tratamento brasileiro da Covid é um fracasso?”
A resposta foi morna: “Se pegarmos o Brasil isoladamente, alguns podem dizer que mais coisas poderiam ter sido feitas. Mas é algo que está acontecendo em todo o mundo e você tem que comparar com o resto do mundo”, respondeu o ministro brasileiro.
Shtein, então, mostrou a recente fala do “chega de frescura e de mimimi” de Bolsonaro e perguntou ao filho “03” o que seu pai queria dizer com isso. A resposta foi: “Há uma forte pressão para forçar que ele apoie lockdowns, mas ele não apoia (…) Governadores que estão olhando para frente, para as eleições do ano que vem, querem que a economia piore para culpar Bolsonaro”.
Mas, mesmo sendo a única reportagem mais profunda sobre o assunto, ela passou no fim do noticiário. Na parte do telejornal guardada para assuntos exóticos e efêmeros.