Publicado originalmente na BBC Brasil.
Na cela feminina, uma mulher está presa há dois anos e quatro meses à espera de julgamento. A poucos metros dali, um doente que diz ter hanseníase vive amontoado com outros 18 detentos numa cela onde deveria haver até nove. Nos compartimentos vizinhos, homens detidos há quase um ano ainda não foram sequer ouvidos pela Justiça.
Os casos, presenciados pela BBC Brasil numa prisão de Açailândia (a 600 km de São Luís), mostram que longe dos holofotes voltados à crise no complexo penitenciário de Pedrinhas, na capital maranhense, presos do interior do Estado também enfrentam superlotação, insalubridade e a lentidão da Justiça.
Segundo organizações que monitoram as prisões maranhenses, a falta de vagas em presídios no interior do Estado é uma das causas para a crise em Pedrinhas, onde 62 detentos foram assassinados desde 2013.
Elas afirmam que transferências de presos do interior para a penitenciária da capital acirraram rixas entre facções criminosas, motivando grande parte das mortes.
Já o governo maranhense diz investir para ampliar o número de vagas e reformar os presídios no interior.
Carcaças de veículos
A BBC Brasil visitou o Centro de Detenção Provisória (CDP) de Açailândia no último sábado. Embora se destine a presos provisórios, a unidade – uma delegacia reformada para virar presídio – também abriga internos definitivos. Naquele dia, 120 presos ocupavam uma área projetada para abrigar 70.
Apesar da superlotação, parte da área externa do presídio serve de depósito a cerca de 30 veículos apreendidos pela polícia. Expostos a sol e chuva há vários anos, alguns automóveis viraram carcaças.
Atrás da recepção e da gaiola onde os detentos tomam banho de sol duas vezes por semana, corredores ligam as nove celas. Escuros e abafados, dão a impressão de que se está numa masmorra medieval.
Para driblar a falta de espaço nas celas, presos se penduram em redes, enquanto os demais – quase todos sem camisa, por causa do calor – se encolhem no chão.
Pequenas frestas nas paredes impedem a entrada de luz natural e a circulação do ar. Há forte cheiro de mofo, cigarro e suor.
A visita agita os detentos, que abrem espaço junto às grades para que os colegas que aguardam julgamento há mais tempo exponham seus casos.
Na única cela feminina do presídio, separada das demais por um portão de ferro, Elisângela Santana de Lima, de 32 anos, está presa há dois anos e cinco meses sem jamais ter sido condenada.
Acusada de homicídio, crime que ela nega, Lima diz não ter ideia de quando seu caso será levado a júri. “Tenho uma filha pequena lá fora, nunca mais vou recuperar os anos que passei longe dela.”
Na cela vizinha, misturado a outros 18 presos, Samuel Alves de Souza mostra feridas no braço. O preso diz que tem hanseníase e que interrompeu o tratamento após ser preso, no fim de 2013.
Antes chamada de lepra, a doença é contagiosa e pode provocar graves deformidades no corpo.
A BBC Brasil enviou fotos das feridas a um dermatologista do Hospital das Clínicas de São Paulo. Ele diz que, embora sejam necessários exames para confirmar o diagnóstico, sinais na mão do preso indicam que ele pode mesmo ter a doença.
Segundo o médico, caso ele esteja com hanseníase e não se trate, há risco de que os demais colegas de cela sejam infectados.
Responsável pelos processos criminais na Justiça de Açailândia, o juiz Pedro Guimarães Junior diz que um laudo médico atestou que Jesus está curado da hanseníase e não oferece risco aos outros presos. Mesmo assim, ele afirma que o interno terá nova consulta médica no dia 27.
Outros detentos da prisão aguardam atendimento. Numa das celas, um preso com febre foi posto pelos demais junto às grades para diminuir o risco de contágio.
A direção do presídio afirma que não dispõe de veículos nem funcionários suficientes para transportar os presos a hospitais sempre que necessário.
Outros presos se queixam da lentidão da Justiça ou do que consideram falhas em seus ritos processuais. Ao menos cinco detentos disseram estar presos há quase um ano sem ter sequer sido convocados para audiências judiciais, uma das primeiras etapas do julgamento.
O juiz de Açailândia, no entanto, afirma priorizar os casos em que os réus estão presos, “alcançando a instrução e o julgamento sempre dentro do prazo legal”.
Há uma semana, outro juiz, de São Luís, deu prazo de 60 dias para que o governo maranhense ampliasse o número de vagas em seus presídios.
O governo do Maranhão diz que “tem cumprido com os prazos determinados por lei para a licitação de obras de construção e ampliação de unidades prisionais no Estado”. Em nota, a gestão afirma que, além de Imperatriz, outros oito municípios do interior ganharão novos presídios, e quatro terão suas unidades reformadas.
Segundo o governo, recentemente foram entregues cinco Unidades Prisionais de Ressocialização (UPR) no interior maranhense.
Fossa no limite
Entre os agentes prisionais de Açailândia, teme-se que as más condições agravem a tensão entre os detentos.
O diretor do presídio, Bruno Marcos Peixoto Costa, diz que as verbas do governo para limpar a fossa sanitária da prisão estão atrasadas e que, se ela encher, excrementos poderão voltar para as celas.
Ele também se queixa da falta de funcionários na unidade. Hoje, somente três agentes penitenciários se revezam nos plantões do presídio, que também contam com um vigilante armado e oito monitores terceirizados.
Segundo o coordenador da Pastoral Carcerária no Maranhão, padre Elisvaldo Cardoso Silva, a prisão de Balsas, também no interior maranhense, é ainda pior que a de Açailândia. Ele diz que lá há 150 presos para 50 vagas.
Na prisão do município vizinho de Imperatriz, o segundo maior do Maranhão, 345 presos ocupam local projetado para 280.
O diretor do presídio, Francisco Firmino de Brito Silva, diz temer que o caos em Pedrinhas faça o governo dar menos atenção aos presídios do interior.
“Como dizia a minha avó, aqui no interior está queimando um fogo de Montoro”, diz ele. “É como aquele fogo que ninguém vê porque está coberto por folhas, mas que de repente ganha força e, aí, ninguém mais consegue apagar.”