Fachin tentará reverter sua decisão para impedir candidatura de Lula, alerta jurista Pedro Serrano

Atualizado em 23 de março de 2021 às 0:16

Publicado originalmente no Brasil de Fato

Por Daniel Giovanaz

Pedro Serrano é autor do livro “Autoritarismo e golpes na América Latina – Breve ensaio sobre a jurisdição e a exceção” – Reprodução

A candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência da República em 2022 está em risco. Essa é a avaliação do jurista Pedro Serrano, doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com Pós-Doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o especialista lembra que a decisão do ministro Luiz Edson Fachin, que anulou as ações penais contra Lula no último dia 8, será analisada em breve pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF).

“A meta olímpica do Fachin é evitar a candidatura de Lula novamente, em 2022. A segunda finalidade dele, caso não consiga a primeira, é pelo menos salvar a narrativa da Lava Jato. Ou seja, não haver o reconhecimento do sistema de justiça de que o que houve com o ex-presidente foi uma fraude, e não um processo penal”, afirma.

“Podem falar que é pessimismo, mas é o olhar de quem está acompanhando de forma crítica os movimentos de exceção há muito tempo. O que eu estou fazendo é alertar a esquerda novamente”, completa o jurista.

O autor de Autoritarismo e golpes na América Latina: Breve ensaio sobre jurisdição e exceção enfatiza que a decisão sobre a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba deveria ser analisada pela 2ª Turma do STF.

“Fachin tira essa decisão do seu tribunal legítimo e transforma o Pleno do STF em um tribunal de exceção. E faz isso porque, no Pleno, tem mais chance de revertê-la”, explica.

Na decisão do dia 8, Fachin não diz que considera a 13ª Vara Federal de Curitiba incompetente para julgar os casos relacionados ao ex-presidente Lula, mas que julgamentos anteriores na 2ª Turma indicavam aquele juízo como incompetente.

“No plenário, ele pode plenamente falar: ‘Minha decisão anterior se baseou no princípio da colegialidade da turma, mas aqui no plenário não estou vinculado àquele colegiado. Então, posso dizer o que eu acho. E o que eu acho era que Curitiba era competente’”, explica Serrano.

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Logo após decisão monocrática do ministro Fachin, do dia 8 de março, você concedeu entrevistas alertando que aquela era uma tentativa de proteger o ex-juiz Sergio Moro e a Lava Jato. Ao reconhecer a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba, Fachin estaria buscando evitar o julgamento de um habeas corpus da defesa de Lula que aponta a suspeição de Moro. Porém, esse julgamento foi retomado pelo STF no dia seguinte. Olhando para trás, você mantém sua interpretação sobre aquela decisão?

Pedro Serrano: Sim. A decisão é correta, no plano jurídico, e tecnicamente bem fundada. Ela manifesta uma decisão adequada, mas tardia.

Quando digo tardia, não quero ser injusto com Fachin. Quero dizer que o sistema de justiça deveria ter dado essa decisão anteriormente, para evitar a prisão ilegal.

A resultante disso é que há um reconhecimento do Supremo de que houve a prisão de um ser humano por mais de 500 dias de forma ilegal. E pior: uma decisão dada por um tribunal incompetente o impediu de ser candidato a presidente da República.

Ou seja, tivemos uma decisão ilegal impedindo uma das principais candidaturas em 2018, o que, no plano político, significa que foi uma eleição não legítima – porque não contou com os principais candidatos. Não houve liberdade de escolha por parte do PT, que era um dos principais partidos.

O que significa o reconhecimento da incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba? É possível que a Lava Jato argumente que foi um mero equívoco ou formalidade, sem impactos sobre os processos?

Um julgamento justo precisa ter um juiz imparcial, essa é a primeira questão. Mas também há outros critérios.

No plano processual, de antemão o sistema precisa estabelecer qual juiz vai julgar e quais regras ele vai seguir. Não se pode criar um juiz, um tribunal ou regras para julgar um caso. Isso é tribunal de exceção, algo que a nossa Constituição condena expressamente – inclusive, era a forma nazista de se comportar.

Esse é o princípio do juiz natural, e ele garante que as regras do jogo, determinando quem vai julgar, tem que ser anteriores ao próprio fato.

Não se trata de uma regra qualquer. É algo fundamental, porque há um inegável impacto.

Não significa dizer apenas que o juiz Moro foi incompetente. Significa dizer que foi um juiz de exceção. Porque a competência daquele lugar foi forçada para possibilitar que eles realizassem uma tarefa política – e não sua função jurídica.

Qual era essa a tarefa política?

Estabelecer um clima para realizar o impeachment [de Dilma Rousseff, em 2016], destruir o capital nacional e o setor de infraestrutura e impedir Lula de ser candidato à Presidência da República.

Uma quarta tarefa era traduzir o movimento de extrema direita em uma ida à política, com condições de elegibilidade para tomar o Executivo e estabelecer um novo bloco de poder.

A Lava Jato teve esse papel e conseguiu cumpri-lo: ela criou o bolsonarismo. E o juiz incompetente foi absolutamente fundamental para realização dessas tarefas políticas.

Uma injustiça grave como essa, cometida contra um líder político operário, nordestino e progressista, em uma sociedade como a brasileira, não se realiza sem amplo envolvimento de setores sociais importantes da nossa elite.

Nesses setores, há muitas pessoas que envolveram sua biografia nesse processo penal de exceção. Por exemplo, a mídia corporativa – três ou quatro famílias brasileiras que dominam os principais meios de comunicação – e toda uma geração de jovens repórteres que confundiram o jornalismo investigativo com o jornalismo de acesso, que é algo antiético.

Eles serviram de canal de veiculação de versões acusatórias, dos investigadores, sem ouvir de fato todos os envolvidos. O que os jornalistas da época faziam era buscar o “outro lado”, ou seja, meia dúzia de palavras para colocar em uma matéria. Mas, no processo de investigação dos fatos, não se levava a sério nem o que os advogados de defesa falavam, nem a posição de os juristas críticos – que enxergavam o processo sem paixão ideológica.

O conteúdo material do processo não era jurídico, era político. Uma ação tirânica de persecução a um inimigo de Estado, e não de tratamento com um réu – cidadão que eventualmente errou. O inimigo de Estado não tem direito a proteção jurídica mínima, que qualquer ser humano deve ter direito.

Foi o que aconteceu com Lula?

Sim, ele não foi tratado como ser humano, no plano jurídico. Ele não teve direito a um juiz imparcial e um julgamento minimamente justo, como prevê o artigo 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Lula foi julgado por um juízo de exceção, como agora reconhece Fachin, e por um juiz parcial, como dois ministros do Supremo já reconheceram [Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes].

Agora, a narrativa que está sendo vendida é de uma mera irregularidade formal, um juízo incompetente como qualquer outro, na rotina jurisprudencial.

O que houve não foi uma incompetência rotineira. Não foi um erro interpretativo: foi uma ação política, apoiada e sustentada pelo sistema de justiça como um todo.

Agora que a missão política está cumprida, eles vêm reconhecer a incompetência.

Isso não é novo no ciclo que eu chamo de “autoritarismo líquido”, que tomou conta da América Latina nas últimas décadas.

Em Honduras, foi o mesmo mecanismo. O presidente do Tribunal [Suprema Corte], sozinho, deu uma ordem de prisão contra o presidente Zelaya [em 2009]. Foi uma ordem absurdamente inconstitucional, porque expulsou o presidente do país, em vez de tê-lo prendido.

Depois, essa ordem foi considerada ilegal pela própria Suprema Corte Hondurenha. Mas, quando isso aconteceu, já tinha terminado o mandato do presidente Zelaya. Ou seja, a função política da decisão judicial de exceção foi cumprida, e só depois disso é que há um reconhecimento jurídico meramente formal.

Isso faz parte desse autoritarismo líquido: ele media com a linguagem jurídica, mas de forma a esvaziar o sentido das normas. O sentido da normatividade hondurenha, na época, era garantir que o presidente exercesse o seu mandato até o fim – e esse sentido foi esvaziado.

Então, não estamos vendo algo novo na América Latina, nesse ciclo autoritário de combate aos governos de esquerda pela via jurídica.

É um ciclo que começa com a guerra às drogas, nos anos 1990, onde se desenvolve a técnica do processo penal de exceção, mas migra para a política – no Brasil, no caso do “Mensalão”.

Então, por que Fachin, que se posicionou ao lado da Lava Jato em quase todas as suas decisões, aparentemente se viu obrigado a mudar de posição no último dia 8?

As razões são novamente, a meu ver, políticas e não jurídicas.

Esse atraso não é estranho nem ocasional. Ele tem um sentido político, que é, primeiro, tentar evitar um dano maior aos setores que envolveram sua biografia com a Lava Jato e suas práticas de exceção.

Para esse ambiente social, é um dano pior reconhecer o Moro como juiz parcial do que reconhecer o juízo como incompetente. Porque é mais fácil a sociedade entender que houve uma injustiça extrema quando há o reconhecimento da parcialidade.

Considerando que o julgamento da suspeição de Moro foi retomado no STF no dia 9, podemos dizer que essa intenção do Fachin foi frustrada?

Hoje, o Supremo representa o palco de uma luta entre o Estado de exceção e o Estado Democrático de Direito. É como um xadrez, e a cada hora tem um movimento que altera o tabuleiro.

O Fachin tem duas metas. A primeira, que é sua meta olímpica, é evitar a candidatura de Lula novamente, em 2022. A segunda finalidade dele, caso não consiga a primeira, é pelo menos salvar a narrativa da Lava Jato. Ou seja, não haver o reconhecimento do sistema de justiça de que o que houve com o ex-presidente foi uma fraude, e não um processo penal.

O discurso do juiz incompetente produz, para a direita, a possibilidade de ainda alcunhar Lula de corrupto. E a figura do corrupto é fundamental para desumanizá-lo.

Porque, na hora que Lula for “humanizado”, ele passa a ser identificado como um dos melhores governos que o país produziu, queira ou não.

Por que Lula não pode ser “humanizado”, mesmo em um contexto de crise política, econômica e sanitária, que requer uma liderança com credibilidade para substituir Bolsonaro?

Posso dar uma explicação um pouco longa, se você me permitir.

Os direitos nascem no começo da Modernidade, com duas grandes escolas. Uma se chama Escola Ibérica da Paz, formada por professores de universidades portuguesas e espanholas, que estabeleceram uma crítica à ideologia da colonização.

Eles criticavam a ideia de ocupar a América matando gente, de querer impor o cristianismo pela violência, criticavam a escravidão – tudo com base no Evangelho.

A segunda escola é a protestante. São os huguenotes franceses, do século 16, na época das guerras religiosas. Eles eram perseguidos pelos imperadores católicos franceses, e desenvolveram a ideia de que “todos somos filhos do mesmo pai” para o plano da política.

Ou seja, ser filho de Deus dava certos direitos naturais a todos os seres humanos. Isso eles faziam em meio a um antigo debate, na filosofia política, sobre o que é o tirano.

Essas duas escolas avançaram na definição moderna de tirania: tirano é aquele que não observa os direitos das pessoas. Eles consideravam fundamental o direito de resistir à tirania, de lutar contra ela.

Cerca de um século depois, o inglês John Locke, em seu principal livro, fala até em tiranicídio: o uso da violência para poder tirar o tirano do poder quando ele cometesse graves violências aos direitos naturais.

Perceba que a ideia de resistência sempre foi pensada como direito da pessoa contra um governo.

O que nós temos, desde a década de 1980, é uma governabilidade mundial, produto daquilo que se chama neoliberalismo, que foi colocada em questão pela extrema-direita.

Os governos progressistas da América Latina criaram um conceito, a meu ver, que é absolutamente novo na filosofia política, ou pelo menos na teoria dos direitos, que é o que eu estudo. É a figura do governo de resistência.

Ou seja, não são pessoas que exercem a resistência face a um governo, mas governos que exercem resistência face à governabilidade mundial, do capitalismo financeiro e de uma nova forma de capitalismo no mundo.

Dos governos progressistas da América Latina, Lula era talvez o que mais representava a resistência democrática à governabilidade mundial. Se ele fosse autoritário, ele seria retirado sob essa justificativa. Mas ele se mantinha por modos absolutamente democráticos, e isso era inaceitável.

Diante desse cenário, foi preciso encontrar um mecanismo autoritário, mas no interior da própria democracia, com aparência de legalidade. É por isso que Lula não foi substituído por uma ditadura, mas por mecanismos de exceção.

Então, há um elemento evidentemente geopolítico nesses processos penais de exceção.

Fachin, hoje, comanda essa ação política de exceção no Supremo Tribunal Federal. Por isso é tão importante manter Lula desumanizado. E a melhor forma de fazer isso é mantê-lo condenado.

O que puderem fazer para manter a condenação de Lula, vão fazer. Porque desumanizá-lo é manter sob ataque aquela forma de governo de resistência que houve no Brasil e em toda a América Latina.

Se não der para mantê-lo condenado, vão tentar manter uma narrativa em que Lula seja associado à palavra “corrupto” no plano político, mesmo que no plano jurídico ele seja inocente.

O ministro Fachin ainda tem chance de realizar essa “meta olímpica”?

Sim, e vai tentar fazer isso no Pleno [do STF]. Ele está levando ao Pleno um debate que seria vinculado à 2ª Turma [análise de sua própria decisão sobre a incompetência da 13ª Vara Federal em Curitiba]. Ou seja, ele tira essa decisão do seu tribunal legítimo [2ª Turma] e transforma o Pleno do STF em um tribunal de exceção.

Fachin faz isso porque, no Pleno, tem mais chance de reverter sua própria decisão.

Na decisão do dia 8, Fachin não diz que acha aquele juízo incompetente. Ele fala que houve julgamentos anteriores na 2ª Turma que indicavam o juízo como incompetente. E ele, para ser coerente com a 2ª Turma, deu o habeas corpus a Lula. Mas, no plenário, ele não está obrigado a seguir essa coerência.

No plenário, ele pode plenamente falar: “Minha decisão anterior se baseou no princípio da colegialidade da turma, mas aqui no plenário não estou vinculado àquele colegiado. Então, posso dizer o que eu acho. E o que eu acho era que Curitiba era competente.”

Ou seja, se for necessário, Fachin reverte até seu próprio voto.

Isso quer dizer que o jogo não terminou. Eles podem reverter no Pleno essa decisão de incompetência, e Lula voltaria à condição de condenado. Se não conseguirem isso, eles ainda podem ganhar ou impedir a votação da suspeição. Para que reste, sobre Lula, o discurso do corrupto, que o desumaniza e retira seus direitos.

Essa manobra que pode ocorrer no Pleno do STF reforça a importância do julgamento da suspeição de Moro na 2ª Turma?

Reconhecer que o juízo era incompetente retira de Lula a condição jurídica de corrupto, mas não esvazia o discurso político. Reconhecer que Moro foi um juiz parcial retira tudo.

A meta 1, a meu ver, é manter as condições jurídica e política. E essa segunda função é importante, não só para salvar Moro e os agentes da Lava Jato, mas para dar um forte argumento aos adversários de Lula na próxima eleição.

Bolsonaro, por exemplo, foi chamado de “capitão cloroquina”, e respondeu que Lula é o “capitão corrupto”.

Outra importância de manter essa função política é que ela salva os empresários, políticos, jornalistas e membros do sistema de justiça que se envolveram com a narrativa de exceção da Lava Jato.

Obter a segunda meta e não a primeira não seria uma derrota: seria a vitória possível. Mas é preciso recordar que eles ainda podem obter a primeira meta, no Pleno do Supremo.

Pode soar um pouco pessimista, mas se você resgatar o que eu apontava desde 2007, no auge do governo Lula, fui taxado de louco, mas acertei na maior parte das vezes. Em 2013, eu já falava de impeachment antes da reeleição de Dilma.

Não estou dizendo que isso vai acontecer, mas que pode acontecer. Eu vejo as pessoas descartando essa possibilidade, e isso é negativo porque a gente deixa de realizar movimentos de denúncia.

Transformar o plenário do STF em juízo de exceção arrebentaria a democracia brasileira. Eles estariam dando o último tiro na democracia para desumanizar Lula.

Fachin pode estar trabalhando desde já, nos bastidores, para obter a primeira meta?

Sim. Ele já deu o movimento.

O correto era ter negado o recurso que veio do Ministério Público [contra a decisão do dia 8]. Porque o que deu foi uma decisão definitiva, não foi uma liminar. Se ele agiu em nome da 2ª Turma, deveria ter encerrado ali o processo.

Fachin não só aceitou, como tirou da Turma o julgamento do agravo [recurso]. O movimento para realização da primeira meta já foi dado, e quase ninguém está questionando essa decisão técnica. Nem a esquerda, que está achando que “já ganhou”.

Lula em entrevista coletiva no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, após a anulação das sentenças proferidas pela 13ª Vara Federal de Curitiba / Ricardo Stuckert

Repito: o próprio Fachin pode mudar seu voto, e ainda manter certa coerência jurídica, porque o Pleno não está vinculado à Turma.

Essa história da colegialidade já foi usada antes no Supremo, pela ministra Rosa Weber, por exemplo, para mudar seu voto com certa coerência no julgamento da prisão em 2ª instância.

Que cenários você projeta para a continuidade do julgamento da suspeição de Moro na 2ª Turma? Hoje, está 2 a 2, mas se comenta nos bastidores que Cármen Lúcia pode mudar seu voto e também reconhecer a parcialidade, com base nas mensagens vazadas da Operação Spoofing.

Acho que Cármen Lúcia só muda se o voto do Kassio [Nunes Marques], que pediu vistas, for favorável à suspeição. Aí, ela muda, porque já estaria perdido, de qualquer forma.

Se Kassio decidir contra Lula, tenho a intuição de que ela vota contra Lula também.

Pode ser pessimismo, mas é o olhar de quem acompanha de forma crítica os movimentos de exceção há muito tempo. O que eu estou fazendo é alertar a esquerda novamente. O jogo está conflito.

Kassio deve estar sofrendo uma pressão política imensa, de toda natureza.

Se a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba for confirmada pelo Pleno do STF, há chance de Lula ser condenado pela Justiça Federal no Distrito Federal em tempo recorde, a ponto não poder ser candidato em 2022?

Se a 2ª Turma reconhecer a parcialidade do Moro, o processo inteiro está nulo, tem que começar do zero, e Lula será candidato em 2022. Não tem como impedi-lo de participar da eleição.

Se a incompetência for confirmada pelo Pleno, mesma coisa. Acho difícil impedirem a candidatura.

Mesmo que se aproveitem as provas do processo, precisamos lembrar que foi anulada até a aceitação da denúncia, o que significa dizer que o processo inteiro precisa tramitar outra vez.

Torna-se impossível impedir Lula de ser candidato, a não ser que ocorra um grande malabarismo – que acho que não vai ocorrer.

Ou seja, a chance de impedir a candidatura de Lula é agora, no Pleno do Supremo. Ou, se perder no julgamento da suspeição, na 2ª Turma, tentar revisar pelo Pleno.

Em resumo: a meta deles agora é ganhar na 2ª Turma e no Pleno. Se não ganhar no Pleno, tenta ao menos impedir o julgamento [da suspeição de Moro] na 2ª Turma. É menos prejudicial, não só porque preservaria de certa forma a Lava Jato, mas manteria Lula desumanizado.

Essa é a função maior. Não se trata de um joguinho, com inimigos pessoais, em que o objetivo final seria preservar Moro.

Precisamos deixar claro: ninguém é contra preservar 50 processos que condenaram corruptos na Lava Jato. A direita é que está com esse argumento, para buscar legitimação para manter Lula condenado.

Esse é um discurso político, não jurídico. Pode reparar: sempre que se fala em anular o caso de Lula, o [ministro Luís Roberto] Barroso vai lá e cita cinco exemplos em que a Lava Jato combateu corrupção, recuperou bilhões de reais. Nenhum deles está relacionado ao caso de Lula.

Ou seja, as ações corretas da Lava Jato são usadas como fundamentação das ações contra Lula.

Lava Jato não existe no mundo jurídico. É um conceito de marketing, por meio do qual foi possível juntar casos legítimos, de combate à corrupção, como fonte de legitimação de casos fraudulentos.

Mesmo que o nome da operação não tenha sido criado com essa função, ele a realiza, servindo como expediente discursivo.

A “parte boa” da Lava Jato é usada para legitimar a desumanização de Lula. E isso não seria possível na linguagem do direito. Porque o processo de Lula é um, sem relação com os demais. Só o que os une é o nome Lava Jato – e a linguagem tem tudo a ver com a constituição de um Estado de exceção.

O esforço desesperado, salvacionista da Lava Jato, visa manter a categoria “corrupto” aplicável a Lula. Enfim, a meta geopolítica é desumanizar, e a meta local é salvar todos que envolveram sua biografia nessa nova forma de autoritarismo, por medidas de exceção no interior da democracia.

Edição: Poliana Dallabrida