Originalmente publicado em CONJUR
Por Por Lenio Luiz Streck, Juliano Breda e Antônio Carlos de Almeida Castro – Kakay
O ministro Fachin acertou ao declarar a incompetência do Juízo Federal da 13ª Vara de Curitiba para processar e julgar os casos relacionados ao ex-Presidente Lula, sempre alegada por sua defesa.
Mas o ministro Fachin, ao mesmo tempo em que reconhecia a incompetência, considerou prejudicado o habeas corpus que tratava da suspeição do “juiz” Sergio Moro, tendo inclusive indagado o min. Fux a respeito da possibilidade de continuidade do julgamento pela 2ª Turma, que concluiu pela evidente parcialidade do julgador, por 3×2. Anuncia-se, agora, que a PGR e o ministro insistirão nessa tese perante o Plenário da Corte.
Nesse ponto, não há dúvida. O julgamento da suspeição/parcialidade de Moro não tem qualquer relação com o reconhecimento da incompetência de Curitiba.
Explicando melhor, para que não restem dúvidas: Fachin cometeu um erro técnico ao julgar a imparcialidade prejudicada quando julgou a incompetência. A incompetência é do órgão jurisdicional, da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR).
Por sua vez, a parcialidade é circunstância decorrente de ato pessoal do “juiz” Sérgio Moro. A incompetência é de foro e não da pessoa. A suspeição e parcialidade é, esta sim, pessoal.
Portanto, ainda que o Plenário reverta a decisão liminar do relator, reconhecerá apenas a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba. Nesse caso, os processos continuariam na 13ª VF, porém com a manutenção da nulidade dos atos praticados por Moro.
Mas há outro equívoco na decisão do min. Fachin de considerar prejudicado o Habeas Corpus da suspeição/parcialidade de Moro. Ao declarar a incompetência (em razão do local) da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR, Fachin permitiu a convalidação dos atos instrutórios praticado pelo então incompetente órgão jurisdicional.
A partir do momento em que a 2ª Turma declarou Moro parcial, decretou também — por decorrência lógica — a nulidade absoluta de seus atos, que não podem ser convalidados, pois a suspeição adquire consequências jurídicas indiscutivelmente mais graves e amplas que o mero reconhecimento da incompetência territorial.
É sabido que a imparcialidade é um princípio fundante e fundamental do Direito. “Coisa sagrada” no Estado Democrático de Direito. Por isso, é sabido que todos os atos — e não apenas alguns — praticados por um juiz suspeito são nulos, írritos.
Aliás, de acordo com o art. 96 do Código de Processo Penal, a nulidade pela suspeição do juiz antecede à arguição de qualquer outra, outra razão pela qual torna-se inviável a alegação de que a incompetência prejudicaria o exame da suspeição, que a antecede logicamente.
Claro que há nisso outro problema. Fachin decidiu monocraticamente com base no artigo 192 do Regimento Interno do Supremo (RISTF). Isto quer dizer que assim procedeu porque a matéria é pacifica, não sendo hipótese de afetação do Plenário. Simples assim. Além disso, afetação do Plenário, no sistema jurídico brasileiro, só se dá antes de qualquer julgamento, monocrático ou não. Parece evidente isso, porque, caso contrário, no meio do julgamento ou depois que a turma decide, o relator, se estiver perdendo, pode levar o jogo para a prorrogação.
De outro lado, como é evidente, não há recurso ao Plenário de decisão das turmas. Ou seja: terminou o julgamento pela turma, não existe recurso para o Plenário. Tampouco afetação. Interpretar o Regimento no sentido de que cabe afetação em qualquer momento e em qualquer hipótese será criar um super recurso. Pior: um recurso ad hoc. Ainda: seria criar no processo penal e em sede de habeas corpus, um recurso de ofício. Contra si mesmo.
Poderia o relator de eventuais embargos de declaração da PGR no HC da suspeição-parcialidade afetar a matéria ao Plenário, mas o relator para o acórdão será o ministro Gilmar Mendes, o primeiro a divergir do relator originário. Mas levar embargos de declaração de um julgamento pela turma ao Plenário do STF seria criar direito novo. Se não há recurso de uma turma para o Plenário e em sendo embargos um tipo de recurso, de que modo isso seria justificável? Bizarro também seria se a turma viesse a afetar os embargos ao Plenário. Julga-se numa turma e a verificação acerca da omissão, obscuridade ou contradição seria examinada pelo Plenário?
De novo, cabe perguntar: qual é o papel do Direito e de uma Corte Suprema? Parece simples. É o de limitar o poder. Limitar a política. Decidir independentemente das pressões da mídia e do clamor público.
Ou não basta como lição aos nossos ministros terem permitido a execução antecipada, antes do trânsito em julgado, de uma condenação ilegal contra um ex-presidente da República proferida por um juiz incompetente e parcial?
Espera-se que o Plenário do STF devolva a confiança em seus próprios membros, garantindo a autoridade da decisão da 2ª Turma.