Do Conjur:
O julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, de agravo contra a decisão do ministro Luiz Edson Fachin que determinou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar o ex-presidente Lula não vai afetar a decisão da 2ª Turma reconhecendo a suspeição do ex-juiz Sergio Moro.
Ao decidir pela incompetência de Curitiba, Fachin anulou condenações de Lula
São dois pedidos de Habeas Corpus distintos: no da competência (HC 193.726), o ministro Fachin determinou a remessa dos autos para a Justiça Federal do Distrito Federal de quatro processos do ex-presidente que tramitavam em Curitiba: o do tríplex do Guarujá, o do sítio de Atibaia, o da sede do Instituto Lula e outro que investigava doações ao mesmo Instituto Lula.
Quando tomou essa decisão, Fachin tentou decretar também a perda de objeto de um outro pedido (HC 164.493), que questionava a imparcialidade do juiz. Mas a 2ª Turma do Supremo não aceitou essa ‘manobra’: por maioria de 4 a 1, decidiram apreciar o HC, que deixou assim de estar prejudicado; e, por 3 a 2, acabaram declarando a suspeição do ex-juiz Sergio Moro no caso do tríplex do Guarujá.
O que acontece é que, no outro HC, o da competência, a Procuradoria-Geral da República apresentou um agravo. Conforme explica o criminalista Bruno Salles, o agravo tem três pedidos: 1) que seja reconhecida a competência de Curitiba; 2) caso não seja reconhecida, que as decisões passadas sejam convalidadas; e 3) finalmente, que se forem indeferidos os pedidos, que seja reconhecida a competência de São Paulo e não de Brasília.
Esse agravo foi afetado ao Plenário pelo ministro Fachin, e é o que será julgado no dia 14 de abril pelos ministros.
A defesa de Lula, por sua vez, tinha apresentado um requerimento em outro processo, a Reclamação 43.007, sob relatoria de Ricardo Lewandowski. Os advogados defendem que não cabe ao Pleno, mas sim à 2ª Turma, referendar ou não as decisões do relator nos pedidos de HC de Lula, especialmente o da competência territorial, que iniciou todo o imbróglio.
A defesa lembra que, em questão de ordem na Ação Penal 618, a própria turma decidiu que o relator não pode mudar o órgão colegiado que irá avaliar o caso após o início do julgamento. No HC da incompetência, Fachin mudou três vezes sua posição sobre o órgão competente para analisar a ação constitucional: inicialmente encaminhou ao Plenário; depois, afetou à 2ª Turma; e, agora, mandou novamente para o Pleno.
A questão de ordem deveria ter sido julgada pela 2ª Turma na sessão que reconheceu a suspeição, mas não foi apreciada. Os advogados, então, fizeram a mesma requisição no HC da competência.
Já nas contrarrazões ao recurso da PGR, a defesa do petista sustentou que o ex-juiz Sergio Moro admitiu que o caso do tríplex não tinha relação com a Petrobras. Portanto, não deveria ficar na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, conforme entendimento firmado pelo Supremo no Inquérito 4.130.
Além disso, os advogados destacaram que o princípio da segurança jurídica, invocado pela PGR, não justifica a manutenção de atos e decisões ilegais. Segundo a defesa, se um juiz sabe que é incompetente e segue atuando no caso, produz atos ilícitos, que não podem ser aproveitados.
O que está em jogo, portanto, no julgamento do Plenário, é a competência territorial para julgar os processos de Lula, e não a suspeição de Moro.
Pela regra do jogo, suspeição de Moro só pode ser questionada na 2ª Turma
E a suspeição?
Os criminalistas Lenio Streck, Juliano Breda e Antônio Carlos de Almeida Castro explicam, em artigo publicado na ConJur: “Fachin cometeu um erro técnico ao julgar a imparcialidade prejudicada quando julgou a incompetência”.
A incompetência se refere à 13ª Vara Federal de Curitiba; a suspeição é decorrente de atos pessoais do juiz Sergio Moro. Uma é institucional, a outra é pessoal. Ou seja, ainda que decida que a 13ª Vara podia, afinal, ter julgado Lula, isso não muda o fato de que Sergio Moro não podia ter conduzido esse julgamento — pois não atuou de forma imparcial.
Segundo os advogados, há ainda outro equívoco na decisão de Fachin: ele declarou a incompetência territorial, mas permitindo que fossem convalidados os atos processuais praticados em um órgão jurisdicional incompetente.
“A partir do momento em que a 2ª Turma declarou Moro parcial, decretou também — por decorrência lógica — a nulidade absoluta de seus atos, que não podem ser convalidados, pois a suspeição adquire consequências jurídicas indiscutivelmente mais graves e amplas que o mero reconhecimento da incompetência territorial”, afirmam.
Fachin queria preservar o “legado” da “lava jato” e evitar que a discussão sobre a atuação de Moro contaminasse os demais processos tocados pelo Ministério Público Federal do Paraná quando decidiu primeiro sobre a incompetência. Com a suspeição de Moro, essa pretensão se esvazia: qualquer processo terá que começar novamente do zero, correndo risco de prescrição.
Streck, Breda e Castro ressaltam ainda que o artigo 96 do Código de Processo Penal atesta que a nulidade pela suspeição do juiz antecede à arguição de qualquer outra. Esse é outro motivo a inviabilizar a alegação de que “a incompetência prejudicaria o exame da suspeição, que a antecede logicamente”.
E existe ainda outro ponto: a decisão da 2ª Turma pela suspeição de Moro é soberana. Ela não pode mais ser enviada ao Plenário, assim como qualquer recurso cujo julgamento já tenha sido iniciado. “Parece evidente isso, porque, caso contrário, no meio do julgamento ou depois que a turma decide, o relator, se estiver perdendo, pode levar o jogo para a prorrogação”, criando um recurso ad hoc.
A única possibilidade de revisão da decisão sobre suspeição é impossível: ocorreria apenas se o presidente da 2ª Turma, após a publicação do acórdão do julgamento, decidisse afetar os recursos que fossem interpostos ao Plenário. Mas isso, segundo defendem, seria “criar direito novo”. “Se não há recurso de uma turma para o Plenário e em sendo embargos um tipo de recurso, de que modo isso seria justificável?”, questionam.