A repórter Patrícia Dantas, da BR Press, acompanhou especialmente para o DCM a palestra de Joaquim Barbosa em Londres. Seu relato:
O presidente do STF fechou sua temporada de três dias em Londres com uma palestra-aula no King’s College. Barbosa não deu entrevistas à imprensa antes ou depois e adotou um tom mais cauteloso do que seu padrão.
Apesar do frio de 5 graus e da chuva, o King’s College teve de disponibilizar uma sala extra com transmissão por streaming no Safra Lecture Theater. O salão principal teve seus 253 lugares tomados (o evento foi aberto e gratuito). Algumas pessoas ficaram em pé. Barbosa proibiu qualquer tipo de questionamento relacionado aos casos que ainda estão em andamento no Supremo. O diretor do King’s Brazil Institute, Anthony Pereira, deixou isso claro ao apresentar o palestrante. Segundo os organizadores, ele não recebeu cachê.
JB abriu a noite explicando como é escolhido o presidente do STF. “O chefe da Suprema Corte não é eleito pelo presidente da República, mas sim pelos seus pares desde 1890”, disse. A conversa foi toda num inglês correto, com alguns termos jurídicos em português. “É importante para evitar a personalização e centralização do poder em apenas em um juiz. Fico muito feliz pelo Brasil ter adotado esse sistema desde o início”.
O tom, especialmente no início, foi monótono, com longas pausas reflexivas. O reitor, Rick Trainor, não aguentou e cochilou. No final, houve uma sessão de 40 minutos reservada às perguntas do auditório. Eu pude perguntar, se ele pretendia se candidatar a presidente.
Não respondeu de imediato. Preferiu passar a outras questões formuladas pelo público. Voltaria depois ao assunto da presidência. “A plateia me perguntou se eu sou candidato e eu ainda não respondi”, disse. “E, afinal, quer?”, ouviu-se no auditório repleto de brasileiros.
“Quero!”, afirmou ele, em tom irônico. Houve uma certa surpresa. Em seguida, esclareceu que estava fazendo uma piada. “Muitas pessoas se aproximam de mim nas ruas ou lugares públicos dizendo que eu deveria ser candidato. Nunca fui um político ou afiliado a qualquer partido político. Até mesmo na época da faculdade, também nunca participei de nenhuma militância política. Então, a resposta é não”.
Sobre racismo, ele disse o seguinte: “A maioria das pessoas que sofrem com a pobre educação no Brasil são negras. Negros moram em favelas, têm os trabalhos que pagam menos. Todos os indicadores apontam que esse é um dos problemas-chave na política brasileira. Brasileiros brancos não querem discutir isso. A TV no Brasil parece a TV da Dinamarca. Precisamos lidar com o assunto logo”.
Sobre uma visita recente que teria feito ao presídio de Pedrinhas, no Maranhão: “Políticos não se importam com esses assuntos porque isso não traz nenhum retorno, dividendos ou votos. Esta é a razão pela qual as prisões estão nesta situação. São como o inferno. Os governos alegam que não têm equipe suficiente para construir os presídios”.
Alguém quis saber se, sendo um “intelectual com ideias bastante progressistas”, ele não se incomodava em ser transformado em “herói” pela maioria dos grupos conservadores no Brasil. Barbosa: “Não me importo com quem aprecia meu trabalho, conservador ou liberal. Eu faço o que acho que é certo. Sou uma pessoa realmente cautelosa. Minha orientação é fazer o que é preciso ser feito. Se liberais gostam do que faço, tudo bem, mas eu realmente não me importo com isso”.
Encerrada a apresentação, Barbosa posou para fotos com a galera. Ficou calado e fez cara de exclamação quando um jornalista indagou se assinaria o mandado de prisão do deputado federal João Paulo Cunha quando voltasse das férias (aliás, não havia nenhum profissional da mídia internacional).
O gelo só foi quebrado quando alguém perguntou se ele iria tomar uma “pint”, a tradicional cerveja inglesa servida nos pubs. “Aí, sim”, disse Joaquim Barbosa, escoltado por seguranças e por seu assessor pessoal em direção à saída.