Publicado originalmente no RFI
Por Lúcia Müzell
A CPI da Covid mal foi anunciada no Senado e já é alvo de pressões. O presidente Jair Bolsonaro pediu a pelo menos um senador, Jorge Kajuru, para que comissão investigue não apenas a gestão da pandemia pelo governo federal, mas também por governos estaduais e prefeituras, numa tentativa de dispersar as responsabilidades pelas mais de 353 mil mortes por coronavírus registradas no país até o momento.
Enquanto isso, mais de 100 pedidos de impeachment do presidente já foram protocolados no Congresso. Dois deles são assinados pelo advogado Mauro Menezes, que acredita que, “cedo ou tarde”, Jair Bolsonaro terá de responder pela negação da pandemia e a omissão diante do avanço da doença no Brasil.
“Há de prevalecer o ordenamento jurídico e o império do Direito. É inevitável que Jair Bolsonaro venha a responder por seus crimes, sejam crimes de responsabilidade, sejam crimes comuns”, alega o advogado em Brasília e ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República. “Jair Bolsonaro tem um encontro marcado com a história e com as barras dos tribunais. Isso não é algo perceptível apenas por nós, juristas. É perceptível pelas pessoas que tenham bom senso e conheçam as leis e a Constituição.”
Pedido de lockdown nacional
Em nome de cientistas e entidades sindicais e trabalhistas, Menezes e um grupo de advogados acabam de entregar ao STF (Supremo Tribunal Federal) uma ação para pedir a imposição de um lockdown nacional de 21 dias, para frear a dinâmica de contágios e mortes por Covid no país e trazer um alívio para os hospitais saturados. Reiteradamente, Bolsonaro se opõe a qualquer tipo de restrição de atividades comerciais e circulação de pessoas, apontadas pelos epidemiologistas como medidas fundamentais para conter a disseminação do vírus. O confinamento, alegam os requerentes, preservaria ao menos 22 mil vidas no mês de abril.
“O Supremo, de acordo com a nossa Constituição, tem, sim, a competência para impor o lockdown, fazendo cumprir as diretrizes constitucionais de redução dos riscos da doença, de garantia do direito de todos à saúde, como um dever do Estado, e de defesa da vida”, afirma Menezes. “Estamos diante do que chamamos de um Estado de coisas inconstitucional. Existe no Brasil um conflito muito claro entre uma autoridade exacerbada e abusiva do presidente, de um lado, e o Estado Constitucional, do outro. Ele tem se empenhado de maneira reiterada e agravada em combater e em afrontar diversas normas e comandos constitucionais”, diz o advogado.
CPI dará destaque à falta de atuação do governo
A gravidade da situação sanitária, que elevou o Brasil a epicentro mundial da pandemia e a celeiro de novas variantes do vírus, tende a acelerar os procedimentos jurídicos contra Bolsonaro, argumenta Menezes.
“Se o presidente agora ameaça senadores, direta ou indiretamente, para desviar a investigação de onde realmente interessa, que é o governo federal, estamos diante de algo anômalo que reforça o pedido de impeachment. E ele vai além, chega a sugerir que senadores abram processo de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal”, frisa. “A desobediência às regras básicas da democracia são próprias da atuação de Jair Bolsonaro. Esperemos que a CPI seja capaz de empreender um passo importante na superação e na virada de página desse momento trágico vivido pela sociedade brasileira.”