“Não sei descrever a dor que sinto”, conta uma assessora da Câmara dos Deputados que contraiu covid-19 e perdeu a mãe para a doença após o retorno aos trabalhos presenciais para a eleição do novo presidente da casa, Arthur Lira (PO-AL).
A servidora, que pede sigilo por razões profissionais, relatou ao DCM que se contaminou nos dias de votação para eleger Lira, pois houve convocação de diversos funcionários para trabalhar presencialmente após um ano de trabalho remoto.
Mesmo diante do descontrole da pandemia no país, prefeitos, vereadores e deputados lotaram a casa nos primeiros dias de fevereiro.
Foi exatamente nesses dias que ela pegou covid.
“Todo mundo foi trabalhar. Tinha gente por tudo que é lugar. Infelizmente, não dava para ficar 100% do tempo sem tirar a máscara no gabinete. Você tira para tomar água, para tomar café, para lanchar, almoçar e jantar. Passamos o dia inteiro e mais um pouco à noite nos dias da votação”, diz.
“Os deputados iam e voltavam do Plenário, de reunião de líderes e partidos. O resultado? Ele contraiu Covid e contaminou assessores do gabinete e da base no Estado”.
O deputado que passou a doença para seus assessores também contaminou a esposa e o filho, que infectou a esposa também, segundo a servidora.
Festa com centenas de deputados
Após a vitória de Lira, centenas de deputados que apoiavam a sua candidatura se reuniram em uma festa para celebrar a vitória. Todos sem máscara.
Alguns dias depois, em um grupo de assessores, o deputado gravou um vídeo dizendo que estava no hospital com febre e que testou positivo para a covid.
Em seguida, dois assessores do gabinete começaram a sentir os sintomas e também positivara.
“Comecei com sintomas estranhos, tosse, dor de cabeça. Na sexta, piorei, e o deputado publicou em um grupo de assessores que ele estava no hospital, com febre e disse: pessoal, se cuida. Fiquei apavorada, pois minha mãe iria iniciar uma radioterapia para tratar um câncer, que havíamos descoberto a pouco tempo. Quando testei positivo, avisei aos médicos da minha mãe, que suspenderam o tratamento dela até sair o resultado do teste de covid. A partir daí, entramos em um suplício sem fim”, afirma.
No dia 11 de fevereiro a mãe dela começou a sentir falta de ar, foi encaminhada ao hospital e, com 10% do pulmão comprometido, precisou ficar internada. O quadro clínico piorou e no dia 19 ela foi para a UTI, com 50% do pulmão comprometido.
“Ficamos eu e ela na UTI, isoladas 24h, em lugar horroroso, um apartamento pequeno. Ela deu muito trabalho, pois não se adaptou com as máscaras de oxigênio. Foi muito trabalhoso e muito sofrido. Tive de dar comida na boca, trocar fralda e ela não conseguia levantar, pois não tinha saturação suficiente. Ela não tinha força nem energia para levantar”, lembra.
Sem empatia e aglomerações
Com filas extensas e gabinetes lotados, servidores da Câmara não tiveram alternativa e foram trabalhar. “Foi um estrago bastante grande e por sorte não teve mais falecimentos na minha equipe. O único foi o da minha mãe, que eu tenha conhecimento. Não houve preocupação em relação aos outros infectados nem sequer uma meia culpa. Nenhuma empatia com o sofrimento que eu estava passando”, diz.
“Foi uma irresponsabilidade geral do parlamento ter feito aquelas aglomerações, convocando funcionários de tudo que é gabinete. Colocaram aquelas urnas no salão verde para depois se aglomerarem tudo no plenário”.
A contaminação ocorrida no início de fevereiro se alastrava por mais dias. Quase no fim do mês, no dia 26, a servidora e sua mãe que estavam na UTI Covid foram transferidas para a UTI Geral. Lá, a mãe dela ficou mais animada, pois na UTI Geral havia janela e dava para ver se era dia ou noite.
“Ela ficou animada e queria se recuperar. Tudo que ela queria era levantar e sozinha ao banheiro, sem ter de fazer suas necessidades em uma fralda. Para ela, a situação de não poder tomar um banho era perder toda a dignidade do ser humano. E eu via minha mãe perdendo tudo, toda machucada, toda roxa. Acompanhei aquele suplício dela do início até o fim”.
Na madrugada do dia 28, a mãe da assessora piorou e os médicos disseram que era necessário intubar.
“Ela ficou 11 dias intubada, não melhorava o pulmão nem dava sinais de recuperação. Como não pode ficar muito tempo com o tubo, tiraram e fizeram a traqueostomia. A partir daí, minha mãe ficou muito revoltada e perguntava o porquê disso. A sua voz quase não saía. Depois, ela foi piorando e teve uma trombo embolia pulmonar e em seguida pegou no hospital uma acepsemia, bactéria provida de infecção hospitalar”.
Em coma induzido, a mãe da servidora ficou três semanas desenganada, com respiração mecânica. Os médicos interromperam as medicações e um tempo depois ela faleceu.
“Foram 56 dias de internação, de muita tensão e sofrimento, com a morte próxima e rondando diuturnamente nosso apartamento de UTI. Vi, dia a dia, o agravamento e deterioração dos pulmões da minha mãe e também de todo seu organismo. Se tenho algo a dizer é que aproveitem cada minuto da vida de vocês com as pessoas que amam. Por mais simples que possa ser. Por menos tempo que se possa desfrutar, mas aproveitem. Sempre valerá muito mais a pena que qualquer outra emoção que venham a ter na vida. Creiam-me”, disse a assessora em um grupo de servidores.
“Estou muito triste, ainda destruída e com o sentimento de que não devia ter ido trabalhar. Mas fui e minha mãe morreu. A vida para eles continua. A dor e a morte das pessoas não dói em ninguém. Só quando é na própria pele, e as irresponsabilidades continuam”.