Publicado na ConJur
O julgamento de ontem na Suprema Corte brasileira traz uma preocupação a mais, para além da possibilidade de transformar o Plenário em uma instância recursal de turma e/ou de uma decisão terminativa autorizada pelo próprio RISTF: o de que a afetação do Plenário seja produto de escolha subjetiva. Sabe-se que discricionariedade não significa arbitrariedade. Despiciendo elencar aqui esses detalhamentos à esta altura.
Corre-se o risco, porque o Judiciário também julga casos do passado que servem de parâmetro para o futuro. Assim, o relator, a critério exclusivamente arbitrário, pode buscar o Plenário inclusive para revogar decisões contra si mesmo, transformando uma importante prerrogativa regimental em possibilidade de uso estratégico. Aliás, como mostrou o Min. Lewandowski, entre mais de três mil habeas corpus, não mais do que três tiveram a afetação ao Plenário. Por que, então, um HC vai e o outro não? De novo: poder discricionário — que já por si é problemático na democracia — acaba sendo um poder arbitrário, de pura escolha subjetiva.
De todo modo, malgrado a decisão que autoriza a discussão pelo Plenário da decisão monocrática do min. Fachin, tem-se uma questão ainda não discutida: o Plenário é instância recursal de Turma? Se não é — e não há, mesmo, previsão para tal — tem-se então que a decisão sobre a suspeição de Moro não pode ser rejulgada, reexaminada. Tal circunstância é questão de ordem ou, por ser tão evidente, nem poderá ser posta em discussão, conforme já deixou assentado a min. Carmen Lúcia?
De outro lado, afirmada já a suspeição, porque já julgada pelo juiz natural, e em sendo, como se sabe, mais ampla que a incompetência, qual seria o sentido de uma eventual decisão que contrariasse a decisão monocrática de Fachin?
De todo modo, os contornos políticos que a decisão toma, como se pode ver na imprensa, podem fazer com que se esteja criando uma perigosa tautologia: por qual razão o Plenário de uma Suprema Corte rediscutiria uma decisão que foi tomada monocraticamente por um de seus ministros exatamente com fundamento de que assim o podia porque não há(via) divergência sobre a matéria (porque, caso contrário, o próprio relator não poderia ter decidido daquela forma monocraticamente)?
Algo como um conceito tautológico. Um argumento é tautológico quando se explica por ele mesmo. Um enunciado ou um problema é caracterizado como tautológico quando não apresenta saídas à sua própria lógica interna. Um exemplo interessante: uma empresa exige como requisito para emprego que o candidato tenha experiência anterior em outros empregos, mas ele precisa do primeiro emprego para adquirir experiência.
No caso da decisão de Fachin e da remessa ao plenário, tem-se também um exemplo de tautologia. Conforme o RISTF, permite-se decidir monocraticamente quando não se tem dúvida e permite-se remeter ao plenário quando se tem dúvida; quando se tem dúvida, por que decidir monocraticamente?
A questão reflete sobre o passado, por óbvio, porém há que se indagar: e os efeitos para o futuro?
Além do mais, se o Plenário confirmar a incompetência já declarada e confirmar a suposta estratégia de Fachin, a pergunta que fica é: uma decisão em agravo tem o condão de rescindir — sim, rescindir — uma decisão já tomada pelo juízo natural, a 2ª Turma?
Pois é.
Não tem, e não deveria ter…