13ª Vara de Curitiba é incompetente para julgar Guido Mantega, diz 2ª Turma do STF

Atualizado em 21 de abril de 2021 às 9:00
O ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega

Do Conjur

Por Sérgio Rodas

A  competência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba limita-se a casos que envolvem fraudes e desvios de recursos no âmbito da Petrobras. Assim, por falta de relação com a estatal, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, por três votos a dois, negou nesta terça-feira (20/4) agravo da Procuradoria-Geral da República e manteve decisão do ministro Gilmar Mendes que declarou a incompetência do juízo do Paraná para julgar ação contra o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega.

Ministros da 2ª Turma entenderam que acusações contra Guido Mantega não têm relação com a Petrobras

Mantega foi denunciado por aprovar, entre 2008 e 2010, parcelamentos tributários especiais em prol da Odebrecht, no que ficou conhecido como “Refis da crise” (Medidas Provisórias 449/2008, 470/2009 e 472/2009, esta posteriormente convertida na Lei 12.249/2010). Em troca, o ministro teria recebido R$ 50 milhões, segundo o Ministério Público Federal. O processo foi instaurado na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, que tinha o ex-juiz Sergio Moro como titular.

A defesa de Mantega, comandada pelo advogado Fábio Tofic Simantob, pediu ao Supremo que fosse declarada a incompetência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba para julgar o processo. De acordo com a defesa, a competência é da Justiça Federal do Distrito Federal.

Em setembro de 2019, o relator do caso, Gilmar Mendes, declarou a incompetência do juízo do Paraná e ordenou a remessa do processo à Justiça Federal do DF. O ministro declarou “a nulidade dos atos decisórios” da ação “até a sua apreciação pela Justiça Federal do Distrito Federal em eventual juízo de convalidação”.

A Procuradoria-Geral da República interpôs agravo regimental. Na sessão desta terça, Gilmar votou para negar o recurso e manter a sua decisão monocrática. O magistrado apontou que a 2ª Turma do STF já decidiu que “os fatos a serem reputados conexos com feitos da operação ‘lava jato’ são os relativos a fraudes e desvios de recursos no âmbito da Petrobras” (Petição 7.075). Dessa maneira, a 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba deve restringir-se a processar e julgar relatos de corrupção ocorridos no âmbito restrito da Petrobras, ressaltou, também citando decisão semelhante do Plenário (Inquérito 4.130).

Para Gilmar, as acusações contra Guido Mantega não possuem nenhuma relação com desvios na Petrobras. O ministro também não verificou qualquer relação de conexão (artigo 76 do Código de Processo Penal) ou continência (artigo 77 do CPP) que pudesse atrair a apuração para o juízo de Curitiba.

A questão da Petrobras, citou o magistrado, é mencionada muito mais no sentido de uma reconstrução geral dos primeiros fatos e processos da “lava jato” do que em relação às acusações contra o ex-ministro da Fazenda. Se as investigações da operação continuam, com o surgimento de novos fatos, sempre haverá uma ligação mecânica com os primeiros acontecimentos, disse Gilmar. Seguindo tal raciocínio, porém, todos os processos seriam atraídos para a 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, alertou.

“Isso revela uma atração de competência artificial, ilegal e inconstitucional pela 13ª Vara Federal de Curitiba, manejada por estratégias obscuras e que nos afasta claramente das regras de competência fixadas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal — chamo a atenção para a gravidade deste fenômeno, sem precedentes na Justiça Criminal brasileira, que afronta valores edificantes do Estado Democrático de Direito. Tal situação representaria, no presente caso, uma nítida ofensa ao princípio constitucional do juiz natural, previsto no artigo 5º, XVII, da Carta Magna, aproximando-se da noção de um verdadeiro tribunal de exceção”, avaliou Gilmar Mendes.

“Assim, resta evidente a tentativa do juízo de piso de burlar a delimitação de sua competência material para apreciação do feito. A admissão da manipulação de competência nesses moldes possui sérias consequências sobre a restrição das garantias fundamentais de caráter processual dos indivíduos, em especial quanto ao juiz natural (artigo 5º, XXXVIII e LIII, da Constituição de 1988) – é preciso acabar com a existência de juízos possuidores de arbitrarias e inconstitucionais supercompetências ligadas às grandes operações da PF e do MPF”.

O ministro apontou que, além de os fatos imputados a Mantega não terem relação com a Petrobras, são similares, ainda que parcialmente, aos que estão sendo apurados em ação na 10ª Vara Federal do Distrito Federal. Gilmar ainda ressaltou que a Justiça Federal no DF rejeitou a denúncia contra Guido Mantega, ressaltando que ela foi baseada na delação premiada de Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil, considerada “expressamente imprestável” para fins probatórios pelo procurador-geral da República, Augusto Aras.

E lembrou que os próprios procuradores da “lava jato”, em conversas obtidas por hackers, disseram que a delação de Palocci era vazia, inconsistente e, em certos momentos, contraditória. “Nem o descuidado Deltan [Dallagnol, procurador da República] queria patrocinar esse acordo do Palocci”, declarou Gilmar.

O voto do relator foi seguido pelos ministros Nunes Marques e Ricardo Lewandowski, que criticou a alegação de que as mensagens hackeadas não podem ser usadas em processos. Procuradores e Sergio Moro argumentaram que os arquivos são imprestáveis porque a perícia não foi concluída.

“Há uma perícia que já foi feita na PF que serviu para denúncia e uma primeira condenação dos hackers, mas a complementação da perícia não pode ser feita porque apagaram as mensagens. Há um princípio jurídico que diz que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza. Isso precisa ser levado futuramente em consideração”, disse Lewandowski, destacando que existe a possibilidade de se fazer perícias indiretas.

Em seguida, Gilmar Mendes citou editorial da ConJur. O texto afirma que o subprocurador-geral da República José Adonis Callou, o delegado Felipe de Alcântara de Barros Leal e três peritos da Polícia Federal “entraram para o hall da fama junto com o coronel Job Lorena, que tentou convencer os brasileiros de que o atentado do Riocentro, em 1981, tinha sido praticado por terroristas, e não por militares a serviço da ditadura.

O editorial da ConJur diz que Callou, Leal e os peritos geraram um “laudo”, em nove páginas, para duvidar da autenticidade dos arquivos roubados pelo hacker Walter Delgatti, do armazém de dados do procurador Deltan Dallagnol.

“Com um texto discursivo e retórico, o relatório esbanja adjetivos e não oferece qualquer base concreta para suas conclusões — para tentar dar ares de sentença judicial ao que deveria ser um trabalho técnico. A perícia não cruzou dados, não checou informações, nem auditou os arquivos e, por fim, não indicou uma única inconsistência para concluir que os diálogos ‘podem ter sido’ adulterados”, aponta o texto.

“Não fica bem para ninguém negar esses fatos [mensagens hackeadas] sem fazer a prova. É preciso que expliquem a nós como se deu esse fenômeno [irregularidades da ‘lava jato’] e para quê”, afirmou Gilmar.

Ação desumana
Ricardo Lewandowski também lembrou que, em setembro de 2016, Guido Mantega foi preso por agentes da PF, a mando de Sergio Moro, no Hospital Albert Einstein, na zona sul de São Paulo, onde acompanhava um procedimento cirúrgico de sua mulher no tratamento de um câncer.

“Esse fato merece profunda reflexão, não só nossa [de ministros do STF], mas dos juízes brasileiros e da sociedade, para pensarmos se vale a pena repetir esses infaustos episódios”, disse Lewandowski.”Que a história não repita o modus operandi da ‘lava jato'”.

Sobre o local da prisão, o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, em coletiva de imprensa, lamentou a “triste coincidência”. Ele justificou a ação argumentando que o pedido de prisão temporária de Mantega foi feito em julho. Disse ainda que, depois de iniciada, é impossível parar uma operação da Polícia Federal.

Horas depois da ação da PF, Moro revogou a prisão temporária, alegando não saber que ele estava em um hospital. Advogados criticaram a atitude do então juiz, afirmando que a mudança de sentido na ação do julgador pode ter ocorrido para agradar a opinião pública.

Votos vencidos
Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia. Os dois entenderam que não era possível questionar a competência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba por meio de reclamação.

E não se poderia conceder Habeas Corpus de ofício para declarar a incompetência de tal juízo, avaliou Fachin. Já Cármen entendeu que não houve descumprimento das decisões do Supremo que fixaram os parâmetros da competência da vara do Paraná para julgamentos da “lava jato”.

Para o advogado que representou Mantega, Fabio Tofic Simantob, “felizmente o STF reconheceu a decisão do ministro Gilmar Mendes e manteve o caso em Brasília onde, inclusive, a denúncia já havia sido rejeitada”. “Com isso, a corte Suprema garantiu a segurança jurídica e impediu mais uma reviravolta desnecessária em um caso que a própria Justiça reconheceu não haver provas contra o ex-ministro Guido Mantega.”