Publicado originalmente no ConJur:
Por Danilo Vital e Tábata Viapiana
Para o Judiciário paranaense, os policiais militares que entraram em confronto com manifestantes em frente à Assembleia Legislativa do estado em 2015 não cometeram crime, pois agiram em estrito cumprimento do dever legal de não permitir a invasão do local. Por isso, a responsabilidade civil do Estado estará restrita aos casos em que a vítima comprovar que era terceiro inocente e que não deu causa à reação dos PMs.
Essa é a postura que será adotada pelo Tribunal de Justiça do Paraná e pelas varas judiciais que analisarem as dezenas de ações indenizatórias ajuizadas por pessoas que foram agredidas por policiais durante protesto de professores e simpatizantes contra projetos de lei estadual alterar as regras do regime próprio da previdência dos servidores estaduais.
A definição foi feita pela 1ª Seção Cível do TJ-PR, por 7 votos a 6, em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), que tem efeito vinculante: juízes de todo o estado terão de aplicar a tese. Cabe recurso, que, caso aceito, será analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, também com caráter vinculante.
A confusão ficou conhecida como “operação Centro Cívico”. Na época, por causa da reação pública aos projetos de lei previdenciários, o Legislativo paranaense ajuizou ação de interdito proibitório para evitar perturbação do imóvel onde está a Assembleia Legislativa.
A 5ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba concedeu liminar apresentando autorização para o uso de força policial. Em 29 de abril de 2015, houve confronto generalizado no local, com amplo relato de brutalidade policial e feridos.
Por conta disso, houve a instalação de inquérito para apurar a ocorrência de excessos. O juízo da Vara da Justiça Militar de Curitiba decidiu arquivar as investigações, ao concluir que a operação adotou “medidas proporcionais” e que “não houve excesso doloso ou culposo de quaisquer dos policiais presentes”.
Em suma, os atos dos PMs estão acobertados pela excludente de ilicitude fundada no estrito cumprimento do dever legal de não permitir a invasão da Assembleia Legislativa pelos manifestantes e na legítima defesa própria. Não houve crime, portanto.
Ainda assim, as vítimas passaram a perseguir indenização na seara cível, que é independente da criminal. O IRDR julgado pelo TJ-PR buscou avalizar em que medida a decisão criminal influiria nessa pretensão.
O relator, Jorge De Oliveira Vargas, ficou vencido ao votar para que a excludente do estrito cumprimento do dever legal reconhecida no inquérito policial militar não exclua a responsabilidade civil do Estado pelos atos de seus policiais militares. Outros cinco desembargadores votaram com ele
A conclusão da maioria de 7 votos, por outro lado, foi de que o reconhecimento da excludente de ilicitude no âmbito criminal, como o estrito cumprimento do dever legal, faz coisa julgada no âmbito civil.
“Não é possível, então, que nas ações indenizatórias envolvendo os mesmos fatos e as mesmas pessoas, o estrito cumprimento do dever legal já reconhecido seja desconsiderado”, disse o desembargador Salvatore Antonio Astuti, autor do voto divergente vencedor.
Isso não significa que a responsabilidade civil do Estado deva ser afastada completamente. Ela fica restrita aos que comprovarem que eram terceiros inocentes que não deram causa à reação dos policiais — o que exclui professores e simpatizantes que protestavam.
“Os manifestantes, mesmo os que agiram pacificamente, não podem ser considerados “terceiros”, uma vez que estavam diretamente envolvidos nos atos praticados pelos policiais militares na operação objeto de análise pela justiça criminal, sendo que o reconhecimento da excludente de ilicitude vincula estes atos, que foram julgados lícitos”, disse o relator.
O voto traz um exemplo de quando poderá ser reconhecida a responsabilidade do Estado: no caso de um transeunte que não participava da manifestação, mas passava pelo local e acabou vítima da violência policial.
A tese aprovada no IRDR foi: “a responsabilidade civil do Estado pelos atos praticados por seus agentes durante a denominada ‘Operação Centro Cívico’ ficará restrita aos casos em que a vítima comprovar, além dos demais requisitos legalmente exigidos, que era terceiro inocente — pessoa que não estava envolvida na manifestação ou na referida operação —, e que não deu causa à reação do agente”.