A partir de 2021, o Campeonato Brasileiro terá limite de dois técnicos por time
A saída de Renato Gaúcho do comando do Grêmio faz com que o técnico do Américo-MG, Lisca, se torne, a partir de agora, o treinador a mais tempo no cargo entre os 20 clubes que vão disputar a série A do Campeonato Brasileiro em 2021. Porém, Lisca está a apenas um ano e três meses no cargo.
A situação ilumina um problema crônico do futebol brasileiro – a incessante troca de técnicos e a baixa tolerância por parte dos dirigentes. Acessar sites como lance.com.br e descobrir que mais um técnico caiu após três ou quatro meses no cargo é um fenômeno estranhamente comum.
A situação vai mudar em 2021. Os clubes da série A aprovaram a proposta do presidente da CBF, Rogério Caboclo, que impõe limites ao troca-troca de técnicos. Neste ano, cada time vai poder trocar de técnico uma vez durante o Brasileirão – assim como cada treinador vai poder passar por, no máximo, dois times durante o período.
O comportamento dos clubes pode ser apenas um hábito cristalizado – ou pode significar que o futebol está buscando algo que não encontra nos profissionais brasileiros. Entre as equipes da série A, cinco possuem, hoje, técnicos estrangeiros – dois argentinos e três europeus. Na temporada de 2020, sete clubes foram comandados, em algum momento, por profissionais do exterior.
A efemeridade dos técnicos brasileiros
Ao comentar, em 2019, o futebol do Brasil, o atual técnico do Liverpool, Jürgen Klopp, afirmou: “A maneira como os clubes brasileiros estão agindo é definitivamente errada. Os técnicos vêm por uma semana, um mês ou dois ou três meses, com a esperança de que eles possam fazer maravilhas. Isso não é possível”.
Uma reportagem da Sky News, do Reino Unido, calculou em 15 jogos o período médio de permanência dos técnicos dos clubes da primeira divisão brasileira. “O resultado é que os mesmos treinadores mudam de clube em clube em busca dessa solução rápida. Não há um plano de longo prazo. Não há sentido. Eles vêm e vão, com as reputações nem menores, nem maiores, sabendo que a próxima chance – por mais breve que seja – virá em breve”, afirma o analista Adam Bate, da Sky.
Um exemplo muito ilustrativo é o de Oswaldo de Oliveira, que já treinou dez dos 12 clubes mais tradicionais do Brasil. Ele passou três vezes pelo Fluminense, três pelo Corinthians, duas pelo Flamengo e duas pelo Santos.
A brevidade dos técnicos brasileiros é um contraste chocante quando comparada com as mais importantes ligas nacionais do mundo – e também com outras não tão importantes.
No México, o brasileiro Ricardo Ferretti comanda o Tigres desde 2010 – e só agora o clube está vivendo o auge do trabalho do técnico. No ano passado, foi campeão do torneio continental das Américas do Norte e Central e foi vice-campeão do Mundial de Clubes, derrotando o Palmeiras na semifinal e perdendo para o Bayern de Munique na final.
Nas principais ligas nacionais da Europa, o técnico a mais tempo no cargo é Stéphane Moulin, do Angers, da França. Até na Arábia Saudita e na Coreia do Sul, países de pouca tradição futebolística, os técnicos mais longevos possuem mais tempo que Lisca, o atual recordista do Brasil.
Europeus na mira dos clubes brasileiros
O futebol do Brasil é, hoje, claramente dominado pelo Flamengo, do Rio, e pelo Palmeiras, de São Paulo. O título da Supercopa do Brasil, no último dia 11, foi o oitavo título conquistado pelo Flamengo nos últimos dois anos. O rubro-negro carioca tem brigado por títulos desde 2016, mas começou a ter sucesso em 2019. Nesse período, o Flamengo foi comandado pelo português Jorge Jesus, que só deixou o clube em julho de 2020 por vontade própria – foi para o Benfica.
Mais recentemente, o Palmeiras tem se firmado como o maior adversário do Flamengo – foram ambos que disputaram a Supercopa. E o técnico do Palmeiras é Abel Ferreira – outro português. Já o Internacional, vice-campeão do Brasileirão de 2020, é comandado pelo espanhol Miguel Ángel Ramírez.
“Os executivos estão pensando que, se eles trouxerem outras ‘mentes’, talvez possam ter o sucesso que Jorge Jesus teve no Flamengo. Eles querem algo diferente e acreditam que virá da Europa”, disse à Sky News o agente Ivan Jatobá.
Alguns representantes da nova geração de técnicos acham que, para elevar o nível do futebol brasileiro, é preciso acabar com o troca-troca de treinadores e valorizar os profissionais nacionais. Um deles é Bruno Pivetti, que teve sua primeira experiência no Vitória, no ano passado, até ser demitido. Agora, está no Tombense.
“Existe uma cultura arraigada no futebol brasileiro entre presidentes, dirigentes, assessores, torcedores e mídia que diz que se demite o técnico se houver um resultado ruim. Isso leva a situações absurdas que ocorrem por causa dessa cultura de impaciência e convicção fraca”.
Para Pivetti, essa situação faz com que os treinadores evitem tomar riscos e fiquem sempre na sua zona de conforto – o que impede que o futebol brasileiro se torne mais competitivo e provoca, por exemplo, a redução de técnicos brasileiros comandando times no exterior.
Pivetti garante que os técnicos brasileiros se esforçam para obter conhecimento e evoluir as suas estratégias. “Eles (os clubes) estão habituados a procurar um nome, e não uma ideia, pois, para a maioria dos clubes, não existe uma definição sobre a forma como a equipe pretende jogar”.
O Brasileirão tem início previsto para 29 de maio com os novos limites para dar estabilidade aos técnicos. É uma mudança histórica. A partir do mês que vem, vamos poder avaliar o resultado.