Publicada originalmente no Conjur:
Três dos cinco diretores do Conselho Federal da OAB declararam nesta quarta-feira (28/4) que passaram para a oposição ao comando da entidade do qual participam. E anunciaram que disputarão, em janeiro próximo, a sucessão de Felipe Santa Cruz. São eles: Luiz Viana (vice-presidente), Ary Raghiant Neto (secretário-adjunto) e José Araújo de Noronha (tesoureiro).
Viana, Raghiant e Noronha representam as três seccionais alinhadas com a chamada “lava jato”: Bahia, Paraná e Mato Grosso do Sul. Além de promover conferência com o ex-juiz Sérgio Moro como convidado de honra, os três aprovaram a instauração de um inquérito para investigar advogados perseguidos pelo Ministério Público.
O “procedimento interno” foi proposto por eles no contexto de ordens ilegais de busca e apreensão em endereços de advogados. Por serem genéricas, sem fundamentação e determinada por juízo incompetente, as ordens foram revogadas em voto do ministro Gilmar Mendes nesta terça-feira (27/4). Mas os três diretores da OAB, ainda assim, deliberaram que os colegas fossem investigados.
A decisão do juiz Marcelo Bretas, do Rio de Janeiro, foi o maior ataque a advogados já perpetrado no país. Mas a Reclamação que chegou ao STF não teve o timbre da OAB nacional. Por ter maioria de três votos a dois na diretoria, Viana, Raghiant e Noronha brecaram a iniciativa. Foi preciso improvisar e o pedido foi assinado por cinco seccionais.
O grupo lançou agora seu “manifesto”, que já teria trinta assinaturas. Mas as rusgas com Santa Cruz são anteriores. O grupo desaprova suas críticas à política sanitária do governo Bolsonaro e aos métodos da autoapelidada “lava jato”. Santa Cruz, na opinião deles, teria “politizado” a OAB.
No grupo de discussões do pleno do Conselho Federal, o conselheiro Ulisses Rabaneda manifestou sua estranheza. “Chequei as atas de todas as deliberações do CF nos últimos dois anos. Não há ali qualquer queixa, crítica ou reprovação de nenhum diretor sobre os temas tocados agora nesse manifesto.”
Segundo o conselheiro federal pelo Mato Grosso, “todos os atos da gestão tiveram o apoio do pleno”. Já a decisão de investigar colegas acusados pelo MPF foi vista de outra forma. “Além de ser um paradoxo, foi uma decisão descabida: quem apura infração de advogado são os conselhos seccionais. Isso não é da competência da corregedoria do Conselho Federal”, conclui Rabaneda.
Leia o manifesto:
A advocacia brasileira sofre gravemente os efeitos da pandemia da Covid-19, que já cobrou a vida de milhares de pessoas e vem redesenhando as relações humanas e laborais numa escala sem precedentes.
A situação torna-se ainda mais grave diante das crises econômica, política, moral e jurídica, cada uma com suas características próprias, mas que nos atingem a todos.
São tempos de incerteza, que demandam união e posições firmes das lideranças da advocacia para enfrentar e vencer esses desafios.
Temos orgulho da história e da tradição de lutas da Ordem dos Advogados do Brasil, ao longo de seus 90 anos, mas é preciso que façamos uma correção de rumos que nos afaste das disputas político-partidárias e recupere a credibilidade e eficiência da instituição, outrora inquestionáveis.
Voz independente e abalizada da sociedade civil, sempre foi capaz de negociar o que é negociável, como a paradigmática atuação de Raimundo Faoro para o retorno do habeas corpus, e, ao mesmo tempo, enfrentar com altivez as ameaças e violações do que é inegociável, como é o caso de nossas prerrogativas.
Ao dispersar esforços e energias com objetivos alheios aos interesses da coletividade, a instituição muitas vezes negligencia a defesa da advocacia diante de problemas de toda sorte que surgiram ou foram agravados pelas crises que enfrentamos, potencializadas pela emergência sanitária.
A dignidade da advocacia dilapida-se pela míngua de honorários e pelas constantes tentativas de setores do Poder Judiciário e do Ministério Púbico de relativizar as garantias obtidas na Constituição Federal de 1988 em relação ao devido processo legal e à indispensabilidade da advocacia para a administração da Justiça, criando falsas hierarquias com intuito de subordinar advogadas e advogados, contra o texto expresso da Lei.
Ainda que sejam necessárias à adaptação do exercício da profissão ao imperativo do distanciamento social, ferramentas virtuais são muitas vezes usadas para esvaziar o trabalho da advocacia e para justificar o afastamento do Judiciário, com fechamento de fóruns ou a dispensa do comparecimento às unidades judiciárias de Juízes e servidores, transferindo-se para a parte e a advocacia os deveres da prestação jurisdicional pelo Estado como é o caso da presença segura de testemunhas em audiências públicas.
Alia-se a isso tudo o desafio interno de democratizar a OAB, que, gradualmente vem sofrendo o negativo impacto de decisões cada vez menos participativas da advocacia, diluindo nosso espírito democrático.
Vemos, todos os dias, que não são poucas as ameaças à dignidade e ao saudável exercício da profissão, e por isso a advocacia precisa que a OAB seja resgatada para retomar a combatividade corajosa e consciente que já teve e que a impulsionava na defesa de nossos direitos e prerrogativas.
Sem perder de vista nossa missão institucional de, entre outras, defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, os advogados e advogadas subscrevemos este manifesto, afirmando que é chegada a hora de travar o bom combate em defesa da advocacia.