Originalmente publicado em JORNALISTAS PELA DEMOCRACIA
Por Denise Assis
Em um áudio divulgado pela rádio CBN, o ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, revelou durante uma reunião no Palácio do Planalto que foi “escondido” tomar a vacina contra a covid-19, e que tem tentado convencer Bolsonaro a se vacinar também. Entre os presentes estava o ministro – por enquanto -, da Economia, Paulo Guedes. E para ilustrar os fortes motivos que o levaram a ter atitude de menino com medo do pai descobrir que matou aula, se explicou:
“Tomei, foi em Brasília, ali no Shopping Iguatemi, tomei escondido porque a orientação era para todo mundo ir para casa, mas vazou” (pelo site O Antagonista). “Tomei escondido, né, porque a orientação (do governo) era para não criar caso, mas vazou”.
Não criar caso, é preciso deixar claro, é não contrariar a opção do “chefe” pela política da morte, pelo contágio espontâneo, que vai matando aos poucos quantos tiverem que morrer, até atingir a tal “imunização natural”, conforme o seu plano macabro. Por enquanto, a “meta” parece estar distante, pois continuamos a contabilizar uma média de aproximadamente três mil óbitos por dia.
Seus motivos para o gesto menor, humilhante? Ramos os expôs sem pejo: “tomei mesmo, não tenho vergonha não. Eu tomei e vou ser sincero porque eu, como qualquer ser humano, eu quero viver”.
O general quer viver. Treinado para dar a sua vida pela pátria, se necessário for, o general, como todos nós, quer viver.
Mas se tem tal compreensão da necessidade de se ir contra as orientações de Bolsonaro, o que faz o general ao lado de quem discorda na essência, mas segue obedecendo?
Este é o ponto, general. O seu desejo é o de toda a população brasileira. Todos nós queremos viver. A nós, porém, cabe ficar à mercê da política que o senhor avaliza. Ouvir a sua justificativa, soou como afronta:
“Eu tenho dois netos maravilhosos, eu tenho uma mulher linda, eu tenho sonhos ainda. Então, eu quero viver, pô. E se a ciência, a medicina, fala que é a vacina — né Guedes? —, quem sou eu para me contrapor?”
Muita coisa. O senhor é um ministro de estado. O senhor é um general do Exército Brasileiro, cujo manual, editado em 2014, sob o comando do general, Joaquim Silva e Luna, define no item 3.3.6.7 uma das atribuições da Força: cooperar com a Defesa Civil, que significa “a atuação do Exército em cooperação com os órgãos do Sistema de Proteção e Defesa Civil (SINPDEC), com ações estruturadas de resposta à ocorrência de desastre natural ou antrópico, a fim de contribuir com o socorro às situações de emergência e de estado de calamidade pública, atenuando os efeitos destes, ajudando na preservação da vida humana e do bem estar da população atingida e cooperando com o restabelecimento da normalidade social”.
De costas para o manual, nos parece que para o general Ramos é como se Brasília, o governo a quem ele serve e a necropolítica – termo criado em 2003 pelo filósofo camaronês Achille Mbembe – adotadas por Bolsonaro, não lhes dissessem respeito.
Diz, sim, general. Ao permanecer servindo a esse governo, saiba que o senhor contribuiu para a morte dos 400 mil brasileiros que deveriam contar com o seu esforço e cooperação na “preservação da vida”, mas não tiveram escolha. Foram atingidos pelo “estado de calamidade pública” de que fala o manual de sua Força.
É disso que se trata, general. Estado de calamidade pública. Saiba que o senhor, que quer tanto viver pelos seus “dois netos maravilhosos”, e para a sua “mulher linda”, não deu a esses cidadãos, a chance de também votar para casa e rever os seus e ter sonhos. Não fez nada pelos tantos que tinham o mesmo sentimento, mas não tiveram a mesma sorte. Sabe o nome que se dá a isto, general? Cumplicidade. Ao dar sustentação a esse governo é isto que o senhor está sendo: cúmplice. Prepare-se para um dia desses, ao chegar em casa e encontrar os netos por quem o senhor quer tanto viver, ser inquirido com a seguinte questão:
– Vovô, por que o senhor concordou com a morte de todos esses brasileiros, quando o seu papel era defendê-los?