A revolução chavista pode ser resumida numa linha: ter dado voz a quem nunca teve.
Não é fácil para o leitor brasileiro entender Hugo Chávez.
Jornais e revistas da grande mídia quase sempre se referiram a ele de uma forma extraordinariamente negativa.
As críticas a Lula parecem afagos quando se vê a forma como Chávez foi e é tratado pela mídia nacional.
Ditador. Tirano. Caudilho. Primitivo. Dinossauro.
Estes são apenas alguns dos adjetivos que já parecem estar prontos quando um editorialista ou colunista brasileiro vai escrever sobre Chávez.
Entender tamanha agressividade à luz da pura lógica é impossível.
Ditador, por exemplo. Chávez chegou ao poder e nele morreu por causa das urnas.
Se ele fosse ditador, para continuar neste adjetivo, as grandes empresas de jornalismo da Venezuela que o atacavam tão ferozmente estariam caladas, e seus donos em algum gulag.
Stálin não era atacado pela imprensa russa, nem Hitler pela alemã. Na América do Sul, Pinochet não era chamado pelos jornais chilenos de ditador. Nem Geisel, ou Médici, ou até Figueiredo, no Brasil.
Em ditadura é assim.
Que aconteceria sob Pinochet, por exemplo, se algum líder de oposição convocasse abertamente um golpe como fez, estes dias, Leopoldo López? Quantas horas ele viveria depois disso?
Mas na Venezuela de Chávez não era assim. Como chamá-lo, então, de ditador?
O que Chávez fez, essencialmente, foi dar voz a milhões de venezuelanos miseráveis, que ao longo do tempo foram simplesmente ignorados por uma elite minúscula que fazia compras em Miami e controlava o poder e as benesses oriundas dele.
Eles monopolizaram os frutos do petróleo, em que a Venezuela é excepcionalmente rica.
Se os homens que dirigiram desde sempre a Venezuela tivessem demonstrado interesse pela sorte dos desvalidos, e portanto construíssem uma sociedade menos iníqua, Chávez simplesmente não existiria. Pelo menos não como o conhecemos.
Ele só emergiu por causa da obra lastimável dos que o antecederam no poder.
Chávez se dizia socialista, como o presidente da França, François Hollande.
Mas, como no caso de Hollande, é um socialismo que pouco ou nada tem a ver com o marxismo. Marx, por exemplo, dizia que a religião é o ópio do povo.
No pronunciamento em que anunciou que tivera uma recaída no câncer e designou um sucessor para o chavismo, Chávez beijou um crucifixo. Ele invocava Deus com uma frequência notável. Marx jamais diria: “Este é um dos meus.”
E nem Stálin: ele jamais admitiria um sistema político nos moldes de Chávez, que pode ser removido por meio de votos livres.
Chávez, em sua trajetória, se indispôs com os Estados Unidos de Bush. Disse que combatiam o terror com o terror. Mas, conhecida hoje com mais detalhes a obra de Bush, se pode dizer que Chávez estava falando um absurdo?
Considere.
A Guerra do Iraque, sabe-se agora, foi decretada sob a falsa premissa de que Saddan Hussein possuía armas de alto poder de destruição em massa. Pessoas sem julgamento foram encerradas em Guantánamo e submetidas a torturas. Crianças, mulheres, velhos foram mortos em grande quantidade no mundo árabe, na era Bush, por drones, os aviões sem tripulação que aterrorizam até hoje os civis na região.
E então?
Chávez colocou foco nos pobres, pela primeira vez na história da Venezuela. Se o poder pode ser comparado a um brinquedo, ele tirou o brinquedo das mãos de quem estava com ele desde sempre.
E isso semeou um ódio virulento, que extrapolou as fronteiras da Venezuela e foi dar nos amigos daqueles que monopolizaram o brinquedo.
Mas também semeou votos, reconhecimento e lealdade entre os que foram excluídos da brincadeira.
Sobre o impacto de Chávez, nada conta tanto quanto o fato de a oposição a ele, nas últimas eleições, ter incorporado muitos dos programas sociais que tinham sido desprezados como “assistencialistas”, como se dar educação e saúde a quem jamais teve se enquadrasse nisso.
Como notou o reputado jornalista e escritor inglês Richard Gott em seu excelente livro “A Revolução Bolivariana”, que recomendo vivamente, Chávez colocou no mapa múndi a Venezuela, ao longo dos tempos um mero quintal dos Estados Unidos.
Talvez a maior lição do caso Chávez seja a seguinte: a única maneira que uma elite dirigente tem para impedir que apareça em seu caminho alguém com as características dele é não usar o brinquedo apenas em benefício próprio.
Para quem quer exemplos práticos de aplicação disso, é só esticar os olhos para a Escandinávia – onde o bem estar não é para um punhado privilegiado apenas, mas para a sociedade como um todo.
A grande revolução de Chávez foi dar voz aos pobres venezuelanos. Por isso é tão amado por eles, e por isso será uma referência perene na história da Venezuela e da América Latina.