Publicado originalmente no RFI:
Por Daniela Kresch
A tensão dos últimos dias em Israel não poupou os brasileiros moradores do país, dos que vivem bem ao lado da Faixa de Gaza até os que moram na metrópole Tel Aviv, a cerca de 70km da fronteira.
No primeiro caso está o gaúcho Mark Levy, 72 anos, que mora há meio século no Kibutz (comunidade agrícola) Zikim, colado a Gaza. Ele conta que boa parte dos moradores do local decidiu deixar temporariamente suas casas por causa dos bombardeios lançados pelo grupo islâmico Hamas.
“Os últimos dois dias têm sido muito violentos. Muita gente decidiu sair de casa e ir passar um tempo em outro kibutz, no Norte do país, que nos ‘adota’ nesses horas”, conta Levy.
Ele diz que quem sofre mais são as crianças, que não coneguem dormir por causa do barulho das bombas e das sirenes de alerta. “Minha neta de 4 anos passou o dia todo, ontem, com as mãos nos ouvidos, mesmo quando não havia barulho. Ela se recusava a baixar as mãos por medo de ouvir mais um ‘bum’”.
Desde a última sexta-feira (7) confrontos entre palestinos e israelenses, que começaram em Jerusalém, levaram a um conflito maior entre Israel e o grupo islâmico Hamas, que controla Gaza. Os dois lados têm lançado ataques aéreos mútuos. Como parte do conflito, Hamas disparou cerca de 200 foguetes e mísseis contra Israel na noite desta terça-feira (11) e na madrugada desta quarta (12), o que fez Israel intensificar a resposta.
Mark Levy lembra que a primeira vez que caiu um foguete palestino em Zikim foi em 2006. Apesar do trauma, ninguém se machucou. Até hoje, 15 anos depois, já caíram centenas de projéteis disparados por grupos islâmicos de Gaza no kibutz, mas ninguém morreu. Todos sabem que, assim que soa a sirene, devem se abrigar em bunkers públicos ou em “espaços protegidos” (quartos com paredes reforçadas) dentros das casas.
Muitas vezes, também caem estilhaços das bombas quando o sistema antiaéreo Domo de Ferro, de Israel, consegue interceptar os foguetes ainda no ar: “Ontem mesmo, minha sogra viu que tinha um buraco no teto de sua casa que deve ter sido causado pela queda de um estilhaço”, conta Mark Levy.
Quarto reforçado
Outra brasileira no olho do furacão é a paulista Ana Feuerstein, 67 anos, moradora há 14 anos da cidade de Ashdod, cerca de 35km da Faixa de Gaza. Nesta terça-feira, 11 de maio, uma casa na cidade foi atingida por um míssil de Gaza, matando duas mulheres. Ana Feuerstein mora a poucos metros do local.
“Eu já estava esperando isso acontecer”, conta a brasileira. “Em geral, quando começa algum problema com o Hamas, eles atiram em Ashdod. Só hoje, tive que entrar no meu ‘espaço protegido’ dentro de casa diversas vezes”.
Ana explica que mantém no quarto reforçado de sua casa uma TV para que ela e os dois filhos possam acompanhar as notícias quando tiverem que ficar lá dentro. Ela conta que, no passado, antes do desenvolvimento do sistema antiaéreo israelense que consegue interceptar cerca de 90% dos foguetes lançados, o estrago desses bombardeios era bem maior.
“Hoje fico menos nervosa, já me acostumei”, conta. “Mas minha família fica sempre preocupada, principalmente minha irmã, que está em São Paulo. Hoje liguei para ela para acalmar e justamente começou uma sirene, foi muito azar”.
Ana diz que faz de tudo para não se estressar e preocupar os filhos.“O importante é não passar medo para eles”.
Apreensão
Quem foi pega de surpresa foi a manauara Monica Hauser, 42 anos, moradora da cidade de Ramat Gan, do lado de Tel Aviv. Ela só tinha ouvido a sirene antibomba uma vez, no passado, mas apenas rapidamente. Desta vez, foi diferente.
“Dessa vez eu fiquei mais de uma hora na escada”, conta Monica. “Foi a primeira vez que eu realmente senti o nervoso de ouvir uma sirene após a outra. Foram 40 minutos sem parar e depois mais dez minutos esperando para poder sair. Eu tava cozinhando!”
Monica e os vizinhos, que moram em um prédio antigo – sem quartos reforçados nos apartamentos – se abrigaram na escadaria do edifício, como mandam as intruções das autoridades. Ela levou seu cachorro, Kiko, que ficou bem nervoso. Mas não foi só ele.
“Chegaram três pessoas do meio da rua, se juntaram com a gente”, conta ela, explicando que, nesses casos, pedestres costumam entrar nos prédios mais próximos para se proteger. “Teve uma que começou a chorar. E eu, pela primeira vez, aconselhando uma pessoa, tipo ‘fica calma, respira, vai dar certo, não se preocupa’. Ela queria sair no meio, não tinha acabado e ela queria sair porque o pai dela estava desesperado querendo procurá-la e eu,’não, você não vai sair’”.
Monica afirma que não está com medo, mas se sente apreensiva com os acontecimentos, que podem levar a um conflito maior com a Faixa de Gaza ou ainda mais amplo, já que há também manifestações violentas em algumas cidades dentro de Israel promovidas pela minoria árabe-israelense (21% da população).
“Não estou com medo, mas estou apreensiva. Não sei por que, mas me sinto tão segura aqui que com medo eu não estou, mesmo sabendo que caiu em casas e matou pessoas e que danificou muitas coisas, muita gente machucada. Mas não sei explicar. Não é medo a palavra. Estou apreensiva.”