MPF denuncia “Carlinhos Metralha”, herói das manifestações pró-impeachment na Paulista, por tortura e morte na ditadura

Atualizado em 26 de maio de 2021 às 23:25
“Carlinhos Metralha” com os fãs na Paulista em 2015

O Ministério Público Federal ofereceu uma nova denúncia contra o delegado Carlos Alberto Augusto, o “Carlinhos Metralha”, por crimes na ditadura.

Ex-integrante do bando do delegado assassino Sérgio Paranhos Fleury no Deops, Augusto participou das sessões de tortura que levaram à morte o militante de esquerda Devanir José de Carvalho em abril de 1971.

Segundo a versão oficial da repressão, Devanir foi morto após “confronto” com policiais, mas documentos e testemunhas atestam que ele apanhou por três dias desses psicopatas até não mais conseguir resistir.

Carlinhos ficou famoso nas manifestações a favor do golpe em Dilma, quando posava para fotos na Avenida Paulista com fascistas de todas as idades.

Em 2016, ele discursou num protesto, carregando um cartaz em que dizia querer ser ouvido pela Comissão da Verdade. Na verdade, ele foi convocado a depor, mas o covarde não foi localizado.

“Sempre combati o crime organizado e a máfia que está no poder”, disse ao lado dos fãs. “Quero defender as crianças que ainda não foram doutrinadas. Falam muita bobagem sobre as Forças Armadas”.

Carlinhos é um dos pais espirituais do bolsonarismo.

Eis o que relata o site do MPF sobre o sujeito:

Um dos fundadores do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), o militante havia participado do sequestro do cônsul japonês Nobuo Okushi em março do ano anterior e, desde então, era um dos alvos prioritários da equipe de Fleury. Devanir foi vítima de uma emboscada no dia 5 de abril de 1971, quando recebeu uma rajada de metralhadora nas pernas ao chegar a uma casa que integrantes do MRT utilizavam para se encontrar clandestinamente na Barra Funda, zona oeste de São Paulo. Policiais tinham informações sobre a reunião e já o aguardavam no imóvel para capturá-lo.

Encaminhado ao Deops, Devanir não passou nenhuma informação que pudesse colocar em risco outros integrantes do MRT, apesar da tortura contínua a que foi submetido. Diante da resistência, os agentes decidiram matá-lo após três dias de intenso suplício, em 7 de abril, para que o militante não se tornasse um “novo Bacuri”. Eles se referiam ao codinome de Eduardo Collen Leite, guerrilheiro que também participara do sequestro do diplomata japonês e suportara 109 dias de tortura na unidade sem passar nenhum dado sobre outros opositores à ditadura. As agressões levaram Bacuri à morte em dezembro de 1970.

O laudo necroscópico de Devanir procurou sustentar a versão oficial de que ele havia morrido em virtude de um suposto confronto com os policiais no momento de sua captura, no dia 5. O documento, porém, não apresenta a trajetória das balas que teriam causado o óbito e omite marcas evidentes da tortura. Uma foto anexada ao inquérito policial sobre o caso revela diversos hematomas no corpo da vítima, mas a imagem não foi incluída no relatório do Instituto Médico Legal. O laudo só foi concluído em 15 de abril, mais de uma semana após a morte de Devanir.

Registros dos próprios órgãos de repressão desmentem a versão oficial. Documentos do Centro de Informações do Exército (CIE), por exemplo, apontam que Devanir morreu no dia 7. Testemunhas, entre elas ex-presos políticos e carcereiros do Deops à época, também indicam que o militante foi mantido sob tortura na unidade durante os dias em que lá esteve. O corpo de Devanir foi enterrado em uma vala comum no cemitério da Vila Formosa, zona leste de São Paulo. A família nunca recuperou os restos mortais.

O MPF quer que Carlos Alberto Augusto seja condenado por homicídio qualificado, com agravantes como o motivo torpe do assassinato (perseguição política), o emprego de tortura, o abuso de autoridade e a adoção de métodos que impossibilitaram a defesa da vítima. Ao final do processo, o Ministério Público pede também o cancelamento de aposentadoria e outros eventuais proventos do ex-agente, bem como de condecorações que ele tenha recebido pelos serviços prestados durante a ditadura.

Augusto figura em outras denúncias do MPF por crimes cometidos no regime militar. Em uma delas, o delegado é acusado de participar do sequestro do ex-fuzileiro naval Edgar de Aquino Duarte, também em 1971. O caso levou à instauração de uma ação penal que, após o cumprimento de todas as fases processuais em primeira instância, está conclusa para julgamento. Caso a Justiça Federal conceda sentença favorável aos pedidos do MPF, esta será a primeira condenação de um ex-agente da repressão por crimes políticos da ditadura.

Além de Fleury, outras pessoas já falecidas também participaram da morte de Devanir em conjunto com Augusto. Entre elas, o ex-delegado do Deops Alcides Cintra Bueno e os médicos legistas João Pagenotto e Abeylard de Queiroz Orsini, autores do laudo necroscópico da vítima. Orsini foi um assíduo colaborador dos órgãos de repressão, forjando pelo menos 17 relatórios para endossar versões oficiais a respeito da morte de militantes políticos. Os documentos eram elaborados a partir das requisições policiais, que chegavam ao IML com a insígnia “T” para identificar que as vítimas seriam “terroristas”, com sinais de tortura que deveriam ser omitidos na perícia.

O MPF destaca que a morte de Devanir ocorreu em um contexto de ataque sistemático e generalizado do Estado brasileiro contra a população civil e, por isso, constitui um crime contra a humanidade, para o qual não cabe anistia nem prescrição. O autor da nova denúncia contra Carlos Alberto Augusto é o procurador da República Andrey Borges de Mendonça. O número processual é 5003562-56.2021.4.03.6181. A tramitação pode ser consultada aqui.