Publicado na RFI
Por Claudia Wallin, correspondente da RFI em Estocolmo
Celebrada dentro e fora do país pela condução exemplar no combate à pandemia da Covid-19 na Finlândia, a primeira-ministra Sanna Marin foi arrastada nos últimos dias para o centro de um escândalo político peculiar: segundo revelações da imprensa, a premiê recebe um benefício de € 300 mensais, livre de impostos, para custear despesas com café da manhã na residência oficial de Villa Bjälbo.
O escândalo foi imediatamente batizado de “Aamiaisgate” (“Cafédamanhãgate”) – uma referência ao caso Watergate, que levou à renúncia do presidente norte-americano Richard Nixon na década de 1970.
“A primeira-ministra não tem o direito de desfrutar de café da manhã gratuito às custas do dinheiro dos impostos dos contribuintes”, afirmou o jornal finlandês Iltalehti, ao revelar o caso. “Tal benefício não está previsto pela lei que regulamenta os direitos de um primeiro-ministro”, acrescentou.
A Receita Federal da Finlândia já se manifestou: segundo a autoridade tributária finlandesa, o direito do primeiro-ministro do país de viver na residência oficial não inclui café da manhã gratuito – o que significa que Sanna Marin deverá pagar imposto pelo benefício recebido.
Diante do furor causado na imprensa e nas mídias sociais pelas revelações, o gabinete de Sanna Marin (do Partido Social-Democrata) afirmou inicialmente que todos os primeiro-ministros finlandeses, desde o também social-democrata Paavo Lipponen (1995–2003), tiveram o mesmo ‘auxílio-café da manhã”.
A afirmação acabou por gerar mais alvoroço: a esposa de Paavo Lipponen, Päivi, foi imediatamente ao Facebook para deixar claro que ela e o marido sempre pagaram por sua própria comida e a dos três filhos quando viveram na residência oficial de Villa Bjälbo na capital, Helsinque, entre 1999 e 2003.
Via Twitter, o gabinete da primeira-ministra foi forçado, assim, a voltar atrás – e pedir desculpas:
“O gabinete investiga no momento os critérios econômicos referentes ao período de governo de (Paavo) Lipponen, assim como os atuais. Qualquer eventual mal-entendido será esclarecido após essa investigação”, destacou o comunicado.
En ole pääministerinä pyytänyt ateriaetua tai osallistunut asiasta päättämiseen. Kun olen aloittanut tehtävässä, minulle on kerrottu, että tämä sisältyy Kesärannassa asumiseen ja yöpymiseen, ja että näin on toimittu myös aiempien pääministerien osalta.
— Sanna Marin (@MarinSanna) May 28, 2021
O jornal Iltalehti também revelou que o benefício de € 300 havia sido classificado pelo gabinete de governo como informação confidencial, por se tratar da vida privada da primeira-ministra.
O salário de Sanna Marin como primeira-ministra é de cerca de € 16 mil, o equivalente a aproximadamente R$ 102 mil. Já o presidente finlandês, Sauli Niinistö – que ganha salário idêntico ao da primeira-ministra –, paga por seu próprio café da manhã e alimentação em geral, afirma a publicação.
Apesar da revolta dos finlandeses nas mídias sociais, o professor de Ciências Políticas Kim Strandberg, da universidade Åbo Akademi, classifica o caso como um escândalo “ridículo”:
“É como transformar uma pena em uma galinha. O benefício não foi sequer criado por iniciativa da premiê”, afirmou em entrevista à imprensa finlandesa.
Segundo ele, o caso guarda semelhanças com o chamado “Escândalo do Toblerone” na Suécia, quando a então vice-primeira-ministra Mona Sahlin usou o cartão governamental para comprar uma barra de chocolate e outros itens pessoais.
“Mas no caso Toblerone, havia mais coisas. Tratou-se de uma fraude fiscal maior”, observa Stransderg.
Liderança exemplar na pandemia
Ao assumir o cargo de primeira-ministra em dezembro de 2019, aos 34 anos de idade, Sanna Marin tornou-se a mais jovem premiê do mundo. No ano seguinte, foi eleita pela revista Forbes como uma das cem mulheres mais influentes e poderosas do planeta, à frente de uma coalizão inédita de governo comandada por cinco mulheres de diferentes partidos. Seu gabinete é formado por 11 ministras e oito ministros.
Grande parte do primeiro ano de mandato de Sanna Marin foi dedicado aos esforços para conter a pandemia do novo coronavírus – e com sucesso: a Finlândia se mantém como um dos países europeus com menor incidência de Covid-19 e com as mais baixas taxas de mortalidade do continente (946 vítimas, em um país de 5,5 milhões de habitantes). Sanna Marin não hesitou em tomar rígidas medidas desde a primeira hora da crise, incluindo o fechamento de fronteiras e um severo lockdown. E chegou a acionar a Lei de Poderes de Emergência, que não havia sido empregada desde a Segunda Guerra Mundial.