O Exército pode dar um golpe de direita em caso de impeachment? Por J. Carlos de Assis

Atualizado em 6 de junho de 2021 às 14:31
Jair Bolsonaro em evento militar de 2019

É um erro achar que o perdão do comandante do Exército a Pazuello, por suas insubordinações militares e sua reinserção no governo,  signifique o reforço do “partido militar” na sociedade. Do meu ponto de vista, é justamente o oposto, ou seja, a evidência de que o Exército “ativo” está profundamente dividido e que os reservistas estão perdendo o chão. A percepção da insatisfação dos oficiais superiores da ativa com Bolsonaro ficou clara quando decidiu  demitir e trocar os comandantes das três Armas. Castello Branco mostrou que um exército dividido não dá golpe. Reservistas, sim, podem inspirá-lo, mas não tem tropa.

Se a demissão simultânea dos comandantes militares não significa divisão das Forças Armadas não sei o que poderia significar. Os nomeados seriam todos braços operacionais de Bolsonaro? O atual comandante do Exército pode ser, assim como o ministro da Defesa, um cargo político. Mas este não tem tropa, e o primeiro não tem necessariamente a confiança dos oficiais-generais do Alto Comando. A aparência, nesse caso, é justamente a oposta. Daí que não acredito num golpe militar de direita. E tornou-se desnecessário, pelo progresso da situação política geral, e da CPI da pandemia, um golpe “progressista”.

Digo isso porque, nos dois primeiros trimestres do governo Bolsonaro, diante do prematuro início do descalabro sem precedentes em que o Brasil entrou, alimentei a ilusão de uma intervenção militar “benigna” por parte de generais nacionalistas. É o que também pensavam alguns camaradas progressistas. Seria uma deposição fulminante, com convocação imediata de novas eleições, retomando, daí em diante, regras constitucionais que nos livrassem simultaneamente de Bolsonaro e de Mourão, com o Exército nos quartéis. Era um delírio, mas sugeri isso, numa mensagem de zap, ao comandante do Exército, general Pujol.

Obviamente, Pujol jogou minha mensagem no lixo, mas sua indiferença a um conselho no momento sábio, porque favorável à estabilidade política e econômica da República, foi punida posteriormente por Bolsonaro, que o demitiu do comando. Por aí se vê o nível de paranoia a que um presidente paranoico leva a nação:  eu, um democrata, fiz algo similar ao que os bolsonaristas pediram em frente ao comando do Exército. Entretanto, se a minha forma de golpe militar prevalecesse, teríamos um enfrentamento eficaz da pandemia, seriam poupadas milhares de vidas de brasileiros, a Amazônia poderia ser logo protegida e as milícias, desarmadas.

A premissa da minha sugestão era que haveria generais nacionalistas e progressistas no Alto Comando, que se antecipassem à destruição completa do Brasil ao final do processo em curso sob Bolsonaro. Isso era absolutamente falacioso. Conheço muito pouco das entranhas das Forças Armadas. Só agora, com a leitura do livro do general Villas Boas, compreendi de uma vez que os oficiais são formados para serem nacionalistas na retórica, alinhados inexoravelmente aos Estados Unidos em geopolítica, e regressivos no campo da economia. São neoliberais, porém ignorantes do que é neoliberalismo, como Mourão.

Entretanto, ainda segundo Villas Boas, os oficiais teriam, com o fim da ditadura, se dedicado estritamente ao profissionalismo e se distanciado da política. Mas Villas Boas foi desmentido por Bolsonaro quando este lhe agradeceu pela eleição, na cerimônia pública de posse, pois não teria sido eleito sem a ajuda dele. A forma como fez isso sem intervenção militar na política “morrerá com os dois”. Além disso,  desmentiu-se a si mesmo quando mandou uma mensagem ao Supremo advertindo-o quanto aos “riscos” de uma decisão favorável à suspensão da inelegibilidade Lula que o viabilizasse para as próximas eleições.

Quanto ao perdão ao general Pazuello, o ex-deputado Vivaldo Barbosa fez um comentário interessante num artigo de ontem. O comandante do Exército agiu com prudência, disse ele. Se punisse Pazuello, estaria punindo o presidente da República, que o autorizou concretamente a participar do ato político; e como o presidente é o comandante supremo das Forças Armadas, teria quer punir um superior, dar um golpe ou demitir-se. Ademais, regulamentos militares não proíbem participação em todo ato político. Proíbem participação sem autorização dos superiores. Embora, nos EUA, a autorização de Trump num ato político não livrou os comandantes militares de pedir desculpas à sociedade por sua participação.

Eis a que ponto um presidente paranoico leva o conjunto da nação. Estamos todos ficando paranoicos como uma imagem especular de Bolsonaro e de sua trupe de extrema direita. Claro, a pandemia mudou o jogo, com a CPI do Senado, e, como na Teoria do Caos, esta última pode funcionar como Atrator Estranho para reordenar a política e a economia brasileira depois do descalabro bolsonarista. Não há bem que sempre dure nem mal que nunca se acabe. Invertendo Luís XVI, que disse que depois dele viria o dilúvio, pode ser que depois da pandemia de Bolsonaro venha a calmaria pelo voto, não pelo golpe!