Da fama à lama. Por Fernando Brito

Atualizado em 24 de junho de 2021 às 11:39
Jair Bolsonaro. Foto: Evaristo Sa/AFP

Publicado originalmente no Tijolaço:

Por Fernando Brito

Não é preciso que se aponte vantagem financeira para Bolsonaro na compra das vacinas indianas.

Não é preciso que se prove que alguém recebeu dinheiro na transação da Covaxin.

Pouco importa que não haja indício da primeira questão ou que não possa haver a consumação do ato corrupto por não ter sido completada, ainda, a compra dos imunizantes.

Por isso, é completamente inócua a violenta linha de defesa adotada ontem por Jair Bolsonaro, usando Onyx Lorenzoni como ventríloquo feroz.

A questão formal é a evidente omissão presidencial ao receber a denúncia de irregularidades.

Há tipificação administrativa e criminal para isso.

A lei que rege os servidores públicos (Lei 8.112/90) diz isso de maneira claríssima:

Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

E não menos claro é o Código Penal:

Art. 319 – Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

Depois de ontem, há também crime de responsabilidade, por ameaça evidente ao funcionamento de CPI.

As fontes da informação sobre irregularidades na compra da Covaxin são do campo bolsonarista. Gozavam, como denota a visita à residência presidencial num final de semana, com direito a selfies e companhia da família dos convidados, um deles deputado federal de sua base.

Não era ser abordado na rua, por um anônimo, dizendo que sabia que havia isso ou aquilo em tal repartição. Ao menos a seus olhos, os denunciantes tinham qualificação como interlocutores, tanto que foram admitidos no Palácio de Alvorada numa tarde de sábado.

O negócio da compra da vacina Covaxin já é objeto de um inquérito policial e este deve ser acompanhado, exceto naquilo que exigir sigilo na apuração. O eixo da CPI deve ser, aí sim, o possível crime presidencial de, por tratar-se de, nas suas palavras, “um pessoal em que confio muito”, ter deixado de fazer “sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo”, “para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

Isto independe, está claro, de ter sido tentada ou consumada corrupção na compra das vacinas indianas.

O resto é embarcar com os dois pés em uma canoa na qual se sabe pouco. E sobre a qual, claro, é preciso saber muito mais.

Politicamente, porém, está claro, até pela furiosa reação do Governo e de seus adeptos, que – com essa e com a demissão preventiva de Ricardo Salles, antes da explosão de poderosas bombas que virão sobre seu comportamento – percebem que, da fama de honesto à constatação de que a lama sobe aos seus pés.