O golpe do voto impresso. Por Moisés Mendes

Atualizado em 27 de junho de 2021 às 23:49

Publicado originalmente no blog do autor

O presidente Jair Bolsonaro disse que não tomará a vacina contra o novo coronavírus – AFP/Arquivos

Tem muita gente sugerindo que é fácil tirar de Bolsonaro o discurso pelo voto impresso. Bastaria aceitar a ideia, fazer a eleição, ganhar a eleição na urna eletrônica e no voto impresso, e tudo estaria resolvido.

Tem até gente de esquerda defendendo essa solução. É ingenuidade. Não é isso o que Bolsonaro quer. Bolsonaro não quer eliminar risco de fraude em eleição.

O que ele quer é fazer aqui o que aconteceu na Bolívia, quase aconteceu nos Estados Unidos e acontece hoje no Peru.

Bolsonaro quer a transformação do voto numa grande confusão, com um ambiente de bagunça que coloque a eleição em dúvida e com isso ofereça argumentos aos fascistas.

Não é o voto impresso que elimina a possibilidade de fraude. O voto impresso entrega a Bolsonaro e à extrema direita a chance de promover o que seria o maior tumulto em tempos de democracia no Brasil.

Na Bolívia foi assim em 2019, quando Evo Morales se reelegeu e a direita contestou os resultados com a desculpa da fraude.

No Peru, com a recontagem solicitada pela extrema direita de Keiko Fujimori (com a acusação, entre outras, de falsificação de assinaturas dos membros de mesas eleitorais), o que há é um teste para saber se o país aceita um novo golpe, e o eleito, Pedro Castillo, não chegue nem a assumir.

Claro que, sendo derrotado, como será em 2022, Bolsonaro pedirá recontagem e espalhará suspeitas nos mesmos moldes das espalhadas por Trump. Bolsonaro quer preparar o país para o caos depois da eleição, provocando desencontros nas contagens entre votos eletrônicos e votos impressos onde for possível manipular informações e causar tumulto.

O voto impresso seria a submissão às vontades de Bolsonaro e dos militares. Seria a armadilha para que Bolsonaro, derrotado, tentasse um golpe. Pode até não conseguir apoio para ficar no poder, mas transformaria o país numa Bolívia, como a oposição a Evo fez há três anos.

Com a diferença, talvez, de que a Bolívia derrotou o golpe em apenas um ano e reconduziu a esquerda ao governo. E nós aqui remamos para derrubar Bolsonaro.

Neste sábado, 11 partidos (que em tese têm maioria na Câmara) decidiram votar contra a proposta bolsonarista que começou a tramitar na casa.

Uma curiosidade sobre a eleição do ano que vem é que Alexandre de Moraes, que apavora há muito tempo o bolsonarismo, irá presidir o Tribunal Superior Eleitoral no ano da eleição.

O ministro é, claro, contra o voto impresso. Será uma eleição tensa, se Bolsonaro não cair antes.

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BISOL
Já contaram tudo sobre José Paulo Bisol. Vou acrescentar apenas uma história muito pessoal sobre esse grande brasileiro que morreu no sábado aos 92 anos.

Em 2016, fui cercado pela direita (e pela extrema direita que se preparava para chegar ao poder) e tive de deixar Zero Hora.

A direita achava que eu tinha muito espaço no jornal. Decidi largar tudo enquanto ainda estava inteiro. Recebi dias depois um telefonema solidário de Bisol, com uma frase singela: “Tem a hora de ir embora”.

Combinamos e nunca cumprimos a promessa de que iríamos reunir uma turma e jantar em Porto Alegre. Bisol foi um grande cidadão, um humanista raro e um cara que escrevia e falava poesia.