Publicado originalmente no perfil do autor
Por Luiz Felipe Miguel
Tem um negócio curioso na forma como o Brasil lida com a questão da corrupção.
A corrupção é aceita como o grande mal do país. É a única mácula indelével para uma pessoa pública.
Taí o caso do Bolsonaro. Pode ser miliciano, genocida, defensor da tortura, nostálgico da ditadura. Pode ser burro e despreparado. Pode liquidar os direitos, destruir o serviço público, afundar a economia, entregar o país. Pode fazer o povo passar fome. Pode ser racista, misógino e homofóbico.
Mas a chapa esquenta mesmo quando aparece a roubalheira.
Ao mesmo tempo, o combate a corrupção se torna uma espécie de Negresco da política: justifica tudo. Justifica o punitivismo. Justifica o desmonte do Estado. Justifica o apoio à Lava Jato, o apoio a Bolsonaro.
No entanto, o mesmo discurso que tanta ênfase dá ao combate à corrupção evita cuidadosamente chegar às suas causas estruturais, que incluem, centralmente, a relação entre o poder público e os capitalistas e a divisão do trabalho político, que condena a maioria da população à posição de clientes do Estado.
Assim como evita, de forma igualmente cuidadosa, associá-la à sua irmã gêmea, a sonegação.
O fato é que a corrupção aparece como o problema número 1, mas só se cogitam soluções parciais e insuficientes: a punição do culpado, como se fossem maçãs podres que estivessem contaminando a cesta. E o surgimento do líder impoluto que por mágica regeneraria o sistema.
Em suma: o discurso do combate à corrupção contribui para piorar, e muito, o debate político. Em vez de buscar as questões estruturais, ele desvia a atenção para as falhas morais.
Se ele fragiliza o atual governo, se torna mais difícil a manutenção de seus apoios, se alcança a consciência daquele ser mítico (o bolsonarista “estúpido porém sincero”), em suma, se permite vislumbrar a antecipação do fim deste pesadelo – então, ótimo. Temos mesmo que fazer bastante barulho sobre ele.
Mas é importante não esquecer que o trabalho de educação política – que terá que ser feito, se quisermos um dia edificar uma democracia menos frágil e menos limitada – exige reduzir esta centralidade e colocar a questão da corrupção dentro do cenário mais amplo do funcionamento do Estado capitalista.