Publicado originalmente no blog de Leonardo Boff:
Nesta segunda-feira, 28 de junho, ocorreu um pronunciamento oficial do ministro das Minas e Energia o almirante Bento Albuquerque na TV. Com pouca expressão pública (passou a maior parte da vida em submarinos), o ministro apareceu na TV para anunciar, como diz a antiga piada popular, que “o gato subiu no telhado”.
O Brasil está prestes a reviver os anos 1990, dos governos Fernando Henrique Cardoso, dos apagões de energia elétrica e todos os transtornos e consequências que eles causam. Além disso, já está definido pela agência governamental de energia que a população terá que pagar contas de luz mais caras devido à “crise hídrica” (o baixo nível de água que move as hidrelétricas, por conta de falta de chuvas).
O almirante Albuquerque lançou mão de termos técnicos de difícil compreensão para fazer parecer que o governo está preparado para a crise que se avizinha. Registros da questão revelam que o governo já sabia do problema há meses e não tomou as providências devidas em busca de alternativas à falta de água nos reservatórios. A verdade é que, em meio a uma pandemia que já matou mais de meio milhão de pessoas, resultado de erros terríveis de condução pública da crise sanitária, apagões de energia causarão uma catástrofe ainda maior.
É seríssimo que o pronunciamento do ministro militar e a cobertura noticiosa desta situação escondam que esta é a maior seca vivida no Brasil na última década e que diversos municípios já decretaram estado de emergência. E é ainda mais grave que cientistas e ambientalistas já alertassem, desde 2019, que o aumento do desmatamento, em especial da Amazônia, esteja na causa primeira da falta de chuvas no país somada às mudanças climáticas.
Desde 2012, as regiões Centro-Oeste, Sul e parte do Sudeste já apresentavam chuvas muito abaixo da média, isto foi agravado com o aumento drástico do desmatamento a partir de 2018. Com menos árvores na Amazônia, há menos umidade no ar e mais seca no Brasil e nos países da América do Sul. A falta de chuvas impacta de imediato a agricultura e depois o abastecimento de água e a geração de energia.
Em meio a tudo isto, a Empresa Brasileira de Energia (Eletrobrás) está para ser entregue a empresas privadas, o que tornará mais cara a conta de luz. Veio à tona, ainda, que o recém-exonerado ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que aproveitou a atenção com a pandemia para desmatar e explorar mais (“passar a boiada”, como ele mesmo disse), está sob investigação por ganhos ilícitos com contrabando de madeira.
Destruição, corrupção, exploração: uma tríplice sobrecarga imposta sobre o Brasil e tudo o que nele habita. Uma demanda urgente para pessoas que têm fé exercerem ações proféticas e gritarem contra esta realidade!
O problema é que vivemos uma espécie de apagão ético entre grupos religiosos, especialmente os cristãos. Quando se aliançaram com o bolsonarismo e passaram a apoiar e fazer parte do atual governo, uma expressiva parcela de evangélicos e outra de católicos colocaram em xeque valores cristãos fundamentais como o amor, a misericórdia, a justiça, a solidariedade, a tolerância. Tornaram-se cúmplices da tríplice sobrecarga descrita acima.
Enquanto isto, o restante se divide entre aqueles que se omitem e silenciam, abandonando a tarefa profética e os que permanecem fiéis aos princípios fundamentais da fé cristã na defesa da vida em todas as dimensões.
Um exemplo recente foi a inundação de mensagens de líderes religiosos contra uma certa rede de sanduíches que, nos últimos dias, fez campanha publicitária com defesa do respeito à homoafetividade. Estes mesmos líderes silenciaram totalmente sobre a ação destrutiva de ruralistas e mineradoras que cobiçam terras indígenas, estes que são povos cuidadores da Criação, e sobre as alianças escusas do Ministério do Meio Ambiente com estes segmentos.
Sobre o desmatamento da Amazônia e do Pantanal e as terríveis consequências sobre a vida de todo o país, apenas algumas organizações ecumênicas, frentes e coalizações evangélicas e católicas em prol do meio ambiente e das populações da floresta têm empenhado esforços para denunciar e conter a destruição.
Carecemos de profetas e profetizas no Brasil 2021! A tradição cristã ensina que profetas, em geral, são pessoas inconformadas com a realidade, que lutam pelo direito e pela justiça, especialmente das minorias sociais – nas narrativas da Bíblia, os pobres, as viúvas, os órfãos, os doentes. Colocam-se contra exploradores dos trabalhadores da terra, contra comerciantes que falsificam pesos e medidas e o luxo com que viviam os reis, suas famílias e a corte em contraste à pobreza do povo. Assim se expõem porque declaram-se chamados por Deus para cumprir a lei do amor, da paz e da justiça.
Em nome desse chamado, profetas denunciam as injustiças e iniquidades das autoridades político-religiosas. Também anunciam as consequências dramáticas daquelas atitudes, não sem deixar de consolar os mais sofridos com palavras de esperança de um tempo melhor.
Profetas sempre desagradam autoridades e seus apoiadores que vivem de lucrar com a injustiça. São acusados de conspiradores e promotores de balbúrdia, perseguidos, presos e mortos. No oposto estão os falsos profetas, religiosos que vivem de agradar essas autoridades e seus seguidores. Pregam mensagens de apoio e são beneficiados por isto. Servem para esconder a realidade dura e o futuro terrível.
O alimento da esperança é saber que contra o apagão ético, os profetas permanecem, apesar de minoritários e perseguidos. Não cessam de existir. Estão em comunidades espalhadas pelo Brasil, em associações e grupos ecumênicos, movimentos, frentes, coletivos, coalizões. Permanecem fiéis ao Deus da Vida e clamam com denúncias e anúncios de transformação possível da realidade de destruição, corrupção e exploração que se abateu sobre o país nos últimos anos.