POR VICTOR GASPODINI
Chamou a atenção a presença de militantes do PSDB no ato contra Bolsonaro no último sábado (03/07), em São Paulo. É a primeira vez que um partido fora do espectro da esquerda ou centro-esquerda participa dos protestos, que estão sendo convocados nacionalmente desde o dia 29 de maio, por partidos de esquerda, centrais sindicais, movimentos sociais e as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo.
Os tucanos levaram para a Avenida Paulista faixas com o 45 e bandeiras utilizadas na campanha de 2020 de Bruno Covas à prefeitura de São Paulo. Segundo o presidente municipal do partido, Fernando Alfredo, cerca de 1.500 filiados participaram da manifestação, presença que causou revolta em militantes do PCO, que partiram para a agressão, conforme noticiou o DCM.
Apesar da posição oficial do PSDB ter sido de neutralidade no segundo turno de 2018, entre Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (então filiado ao PSL), o partido não impediu que lideranças com grande peso eleitoral à época fizessem campanha para Bolsonaro. Foi o caso de João Doria, Eduardo Leite e Reinaldo Azambuja, então candidatos e hoje governadores de São Paulo, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul.
O PSDB de São Paulo, que agora encoraja seus filiados a ir para as ruas, não viu problema na estratégia de marketing de Doria ao juntar seu nome com o do presidenciável do PSL, criando o “17BolsoDoria45”, mesmo que sem ser correspondido por Jair. O governador paulista, que é pré-candidato a presidência em 2022, agora faz oposição aberta a Bolsonaro, já o chamou de genocida e o multou pelo não uso da máscara de proteção.
Eduardo Leite, também pré-candidato ao palácio do planalto e que deve disputar as prévias tucanas contra Doria, oficializou seu apoio a Bolsonaro no segundo turno de 2018 de forma mais discreta. Atualmente, admite ter sido um erro, mas limita sua oposição a dizer que não votaria novamente em Bolsonaro e que há fatos graves para o processo de impeachment. Ainda assim, não deixa claro que defende o impedimento.
Reinaldo Azambuja, governador do Mato Grosso do Sul pelo PSDB, divulgou um vídeo em 2018 em que correligionários expressaram seu apoio a Bolsonaro. Dos tucanos com relevância, apenas Alberto Goldman, ex-governador e ex-ministro, falecido em setembro de 2019, declarou o voto em Haddad (PT).
Além de Doria e Leite, outros dois pré-candidatos à presidência devem explicações sobre suas ações em 2018: Luiz Henrique Mandetta (DEM) e Sérgio Moro (sem partido). A contrariedade do ex-ministro da saúde ao governo de Jair Bolsonaro se deve principalmente à condução da pandemia. Durante sua trajetória política, no entanto, Mandetta apoiou cortes de verbas no SUS e o fim do programa Mais Médicos, posições compartilhadas pelo presidente.
Poucas figuras foram mais importantes para a eleição de Bolsonaro em 2018 do que Sérgio Moro, que deixou o governo em abril do ano passado após denunciar interferência de Jair na Polícia Federal. O ex-juiz foi um dos responsáveis pela prisão e ilegibilidade de Lula, quando o ex-presidente liderava as intenções de voto na corrida de 2018. Depois de tirar o principal candidato da disputa, a recompensa de Moro foi um ministério no governo eleito. Em dezembro de 2020, quando já tinha deixado o cargo, ele chegou a perguntar se havia presidente em Brasília. Apesar da suposta oposição, nem Moro e nem Mandetta pedem o impeachment de Bolsonaro.
Kim Kataguiri, filiado ao DEM e um dos líderes do Movimento Brasil Livre (MBL), foi um dos direitistas a assinar o “superpedido” de impeachment, apresentado no dia 30 de junho, liderado por partidos, parlamentares e forças de esquerda, que reuniu todos os crimes cometidos por Jair Bolsonaro até agora. O deputado de 25 anos e o movimento que ele lidera deram enorme sustentação ao então candidato do PSL em 2018, tendo declarado voto ainda no primeiro turno.
Apesar da assinatura, o MBL declarou que não pretende participar dos protestos de rua por não se sentir seguro. Em 2018, Kataguiri chamava movimentos sociais de “grupos terroristas”, disse que Haddad aparelharia as instituições e levaria o Brasil ao totalitarismo, dava discursos sobre doutrinação de esquerda nas escolas e classificou como “maravilhoso” o plano econômico de Paulo Guedes.
Já no segundo turno, membros do MBL (Kataguiri, Arthur do Val – conhecido como “Mamãe Falei” – e outros) aparecem em um vídeo de apoio na casa de Bolsonaro, no dia 23 de outubro de 2018, junto de políticos recém-eleitos do partido NOVO (os deputados federais Marcel van Hattem e Vinicius Poit). O vídeo é em tom descontraído e em meio a risadas e piadas sem graça, Bolsonaro agradece o apoio do MBL e do NOVO.
O ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), tece críticas a Bolsonaro quase diariamente em suas redes sociais e disse recentemente ao Páginas Amarelas, da Revista Veja, que o centrão deveria “romper definitivamente” com o presidente. No entanto, em 2018, Maia declarou voto em Jair Bolsonaro e se comprometeu a pautar a lei do armamento para ganhar apoio a sua reeleição a presidência da Câmara. Em 2019, ele trabalhou fervorosamente pela aprovação da reforma da previdência de Bolsonaro e entregou o projeto para Davi Alcolumbre, então presidente do Senado, chorando de emoção por ter conseguido a aprovação dos deputados.
Joice Hasselmann (PSL) e Alexandre Frota (PSDB), eleitos para um cargo público pela primeira vez em 2018 aproveitando-se da onda Bolsonaro, também não demoraram para pular do barco. Dizendo que queria ser “o Bolsonaro de saias”, Joice foi a segunda deputada mais votada e chegou a ser líder do governo na Câmara. Frota se encontrou diversas vezes com Bolsonaro na pré-campanha, pediu votos e recebeu o apoio do atual presidente.
Tanto Joice, como Frota, assinaram o super impeachment no último dia 30 e fazem oposição aberta há alguns meses. O ator já declarou que o presidente não liga para o número de mortes e que a atuação do governo no combate a pandemia é burra e sem noção. Falou que Bolsonaro é uma doença da mesma gravidade da Covid e defendeu a obrigatoriedade da vacinação. Joice Hasselmann já chamou Bolsonaro de ogro e cavalo e no início deste mês, em live no DCM, a deputada colocou em dúvida a facada sofrida por ele na cidade de Juiz de Fora, em setembro de 2018.
Ontem (5), o partido NOVO divulgou uma nota se posicionando a favor do impeachment de Bolsonaro. Segundo o texto, a sigla concluiu “após análise técnica, consultas a juristas, discussões e ampla reflexão” que o presidente cometeu crimes de responsabilidade. O partido, que se apresenta como “renovação” da política, votou favoravelmente a projetos do governo em 86% das oportunidades, segundo o site Congresso em Foco, que mede o índice de “governismo” dos parlamentares.
O deputado federal Vinicius Poit (NOVO), que é líder do partido na câmara e atualmente faz críticas ao governo nas redes sociais, é um dos que aparece no vídeo de outubro de 2018 ao lado de líderes do MBL, na casa de Bolsonaro, declarando apoio a ele no segundo turno. Apesar das atuais críticas, Vinicius votou a favor do governo 86% das vezes, segundo o Congresso em Foco. O outro deputado do NOVO que aparece no vídeo, Marcel van Hattem, também tem 86% de “governismo”.
A sustentação que o partido de cor alaranjada deu a Bolsonaro nas eleições de 2018 foi tamanha que o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (NOVO), uma das principais lideranças e primeiro governador eleito pela sigla, pediu voto para Bolsonaro ainda no primeiro turno, quando o partido tinha candidatura própria. No segundo turno, Zema reiterou seu apoio e só parou de fazer menções elogiosas ao presidente há pouquíssimos meses.
Em janeiro desse ano, Romeu Zema disse ao jornalista Humberto Martins, do jornal Estado de Minas, que considerava Bolsonaro “uma pessoa bem-intencionada”. Em março, o governador de Minas Gerais se negou a assinar duas cartas contra o presidente e em abril, disse a jornalista Fernanda Canofre, da Folha de S. Paulo, que “Bolsonaro poderia ter capitaneado a crise, mas que há certa perseguição a ele”. Somente em junho, o governador do NOVO declarou que a postura de Jair não ajudava no combate à pandemia.
O banqueiro João Amoêdo (NOVO), que foi o candidato da sigla à presidência, também declarou voto a Bolsonaro no segundo turno e afirmou em novembro de 2018 para o jornalista Wellington Ramalhoso, do UOL, que o partido seria “independente e vigilante”. Em março de 2020, Amoêdo disse ao Estadão que não se arrependia do voto. Atualmente, ele faz críticas fortes ao governo e pede abertamente o impeachment, embora não tenha assinado o “superpedido”.
Além do NOVO, outros índices de “governismo” interessantes, segundo o Congresso em Foco, são o do DEM, com 91%, do Patriota, com 95% – partidos que abrigam membros do MBL – e do PSDB, que apesar de frequentar a última manifestação e já ter declarado que continuará participando dos atos, votou favoravelmente ao governo em 87% das votações no Congresso.