Publicado na ConJur
Por Lenio Luiz Streck
Não existe intelectual bronzeado (é uma metáfora). Direito é coisa séria. E é um fenômeno complexo. Por isso luto por uma coisa chamada epistemologia, coisa que parece que os facilitadores do Direito não compreendem. Porque é complexo. E não dá para desenhar.
Por isso tenho feito críticas ao uso da inteligência artificial e às fórmulas facilitadores da comunicação jurídica, mais especificamente o visual law e o legal design.
Já fui chamado de conservador, jurássico (para minha honra e glória), afora as ofensas proferidas por pessoas do grupo Columba Livia, composto por especialistas em vencer disputas argumentativas inspiradas no famoso model chess game with pigeons e “de como ofender pessoas sem argumentos”.
Mas não quero perder o “foco”. Impressiona, por exemplo — e quem me alertou sobre isso foi o professor Arthur Ferreira Neto, maior especialista em metaética no Direito do Brasil — a bela contradição performativa dos entusiastas do visual law, que, ao apresentarem longa defesa dessa inovadora metodologia, valem-se apenas do “tradicional e conservador discurso textual analítico”, com introdução, desenvolvimento e conclusão. Usam até as serôdias notas de rodapé. Tudo para defender o novo modelo comunicacional. E eu acrescento: Nenhuma defesa com setinhas! E emojis. E também não dá para preencher plataforma lattes (ups, o que seria isso?) com setinhas e sinais.
Jurássico, conservador, reacionário, ultrapassado. Todas as setinhas apontando a “Lenio Streck”. Deltanianamente!
Bem que podia. Mas não vi nenhuma figura ou desenho maneiro que facilitasse a nossa compreensão dos argumentos por eles defendidos!!
Lembro que o gaiato quem disse que o livro de papel iria acabar escreveu a grande nova em… um livro… de papel. E o mundo está repleto de gordos vendendo remédio para emagrecer. E calvos oferecendo o milagre da multiplicação capilar. E gente oferecendo facilidades na área jurídica. Sem considerar o neopentecostalismo jurídico, a epistemologia da prosperidade concurseira, que, aliás, chegaram antes do visual law.
O velho paradoxo do filósofo pragmático, que diz que as teorias filosóficas não servem para nada e, para isso, elaboram uma teoria filosófica.
A nova algocracia
O pesquisador John Danaher diz que isso tudo faz parte da nova algocracia. Sim, a algoritmo-cracia. Ele mostra como já somos reféns dos algoritmos, designs e quejandos.
Ele fornece uma porção de exemplos do domínio da algo-cracia. Bom, cada um de nós sabe bem disso. Basta entrar nas redes sociais. Ou receber uma intimação de Tribunal às duas da manhã. Algoritmos não dormem.
Escreva a palavra “prova” ou “exame” em um recuso especial ou extraordinário. O robô, feito um sniper, fulminará seu pedido. São os grupos de extermínio de recursos.
Diz Danaher: toda a informação que chega até nós pelas redes sociais passa por uma “curadoria algorítmica”…!
Aboliram a filtragem institucional da mediação e, no lugar, colocaram um algoritmo. Quem programa o algoritmo?
Ele diz mais (algo que eu já digo há mais tempo): terceirizamos o ato de pensar, perdemos o ato de raciocinar sozinhos, perdemos a nossa autonomia. Esse é o busílis. Meu problema não é com este ou aquele tik-toker. É com a terceirização do raciocínio, do pensamento, da reflexão com rigor e critério.
Mas a parte mais interessante do pesquisador é esta frase: não é porque a tecnologia é superinteligente; nós é que somos preguiçosos.
E ele diz que é preciso reagir.
Concordo. É o que estou tentando fazer de há muito. Comecei denunciando o ensino prêt-à-porter, pret-à-parler e prêt-à-penser. De há muito demonstro que resumos e resuminhos emburrecem. Também brado há anos contra concursos quiz shows.
Mas eles foram avançando. Agora já nem querem resumir. Querem desenhar. E colar figurinhas. O que virá depois?
Mas para dizer isso e me criticar ainda precisam de longos textos. Com notas de rodapé.
Danaher tem toda a razão! Já denunciava isso em 2016.1 A algo-tyrannos; a tirania algorítmica.
Não sei se são bons em xadrez. Mas vencem sempre!
Post scriptum: Quem colocou o porco no meu ombro? Porco safado! Processemos o porco!
Assistindo a CPI da Pandemia e ouvindo os depoentes (a do Roberto Dias é exemplar!), lembro de um causo que se conta na cidade de Itaqui, minha primeira Comarca.
O gaiato foi preso em flagrante furtando um porco. Levava o suíno nos ombros, segurando em cada lado as pernas do bicho.
Levado à Delegacia, foi interrogado.
Delegado: “O senhor furtou o porco?”
Resposta: “Porco? O que é um porco? E o que é ombro? Defina ombro, por favor, senhor delegado. E mais: se esse porco existe, então alguém o colocou no meu ombro, considerando que também eu tenha ombros. Conclusão: nada sei sobre suínos.”
Na CPI, depoentes fazem a mesma coisa. E ainda vem um senador em sua defesa, dizendo:
“Esse porco é realmente ousado. Onde se viu pular nas costas de um sujeito honesto e ali se fixar, indevidamente?”
Oh, Catilina… Oh, Catilina…
Tempos em que não há mais fatos; só há narrativas…
Simulacros e simulações! O que é um porco? Ombros? Esses porcos… Costumam pular nos ombros de inocentes transeuntes…
1 Danaher, John. (2016). A ameaça da algocracia: realidade, resistência e acomodação. Filosofia e Tecnologia , 29 (3), 245-268.