Militares criaram um problemaço: Não podem mais desembarcar. Por Gilberto Maringoni

Atualizado em 10 de julho de 2021 às 8:55
General Braga Netto, novo ministro da Casa Civil, e o presidente Jair Bolsonaro

Publicado originalmente no perfil de Facebook do autor

A semana termina muito mal para Bolsonaro, com a saraivada de notícias que recebeu da realidade, pautada agora pelo andar da carruagem da CPI. A descoberta de duas quadrilhas concorrentes na saúde – uma do centrão e outra dos militares – torna a coalizão governamental quase inadmistrável. E sua imagem derrete, segundo as pesquisas.

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O presidente não tem a menor condição de arbitrar essa briga de gangues, ambas pilastras estruturais de sua gestão. Se optar por um lado, perde outro. E o centrão dá mostras de ter começado a trincar, por obra e graça da provocação montada pelas Forças Armadas contra o Senado. A reação de Rodrigo Pacheco, na sexta, é prova viva do imbróglio. É coisa que contrasta com o capachismo ainda esperto de Arthur Lira.

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As Forcas se meteram em camisa de onze varas. Não há notícias de uma desmoralização tão corrosiva como a enfrentada nesses dias.

A nota de quarta e a caricata entrevista do chefe da Força Aérea ao Globo, na sexta, apenas coroam a perigosa opção feita pela mais destrambelhada cúpula fardada da República. E olhem que a concorrência é acirrada.

Se a partidarizacao dos quartéis já era pedra cantada desde o tuíte do general Vilas Boas, há três anos, a entrada de seis mil militares no governo desmontou a idéia da farda como instituição de Estado. A condescendência do alto comando com a indisciplina do general Pazuello e o segredo de cem anos dos autos de seu processo levou os oficiais a uma viagem sem volta ao perigoso terreno da galhofa, imortal expressão de Stanislaw Ponte Preta.

Os militares criaram um problemaço institucional. Queimaram pontes e navios com a sociedade e não têm como e nem por onde desembarcar do governo. As FFAA deixaram de ser uma instituição e se tornaram um bando – por não seguirem disciplina alguma – a soldo de um governo rejeitado pela sociedade.

Nós estertores da ditadura, elas tiveram problema semelhante. Por serem governo, também não tinham como desembarcar. A partir da queda da ditadura, viveram um desgaste de três décadas. Só recuperaram prestígio político quando designados para a absurda missão ao Haiti, em 2004.

Pensemos no dia seguinte do bolsonarismo. Como gente que despreza e ameaça explicitamente a democracia poderá conviver com um governo democrático? Como poderão voltar a ser uma instituição de Estado depois dos arreganhos da semana? Como gente que alega ter uma moral inquebrantável conviverá com a percepção de que não passa de uma malta de larápios rastaquera?

O tuite de Felipe Neto ao comandante da FAB – “Vai ameaçar a puta que o pariu, babaca” – é a resposta direta ao grosseiro recado de Vilas Boas ao STF. É mil vezes mais educado do que a chantagem que levou a maioria de seus ministros a se borrar nas calças.

Militares hábeis criam situações de avanço e recuo medindo a realidade, o terreno, o contingente inimigo, seu próprio efetivo e o timing da tomada de decisões.

Sempre me lembro da magistral descrição da batalha de Austerlitz feita por Tolstoi em “Guerra e paz”. Por quase cem páginas, ele narra como Napoleão enfrentou em 1805 dois exércitos associados – o austríaco e o russo – com inferioridade de forças, mas com uso do elemento surpresa elevado à categoria de arte. Não lançou nota de ameaça, mas foi às vias de fato. Tolstoi estudou detalhadamente as condições do enfrentamento e passou dias no local, cinquenta anos depois, para compreender o que se passara.

Os altos oficiais brasileiros, dois séculos mais tarde, não conseguem entender sequer a direção do vento. Filhotes de Sylvio Frota, expoente da linha dura do regime ditatorial, perderam o calendário. Pensam estar em 1964 e arrotam uma força que não têm.

A hora do desembarque da nau bolsonarista passou. Seguramente tentarão radicalizar o tom da mazorca nas próximas semanas. Ameaçarão, rosnarão e falarão grosso. Mas não conseguirão esconder a opção feita. Trocaram de livre e espontânea vontade o slogan “Braço forte, mão amiga” por “Caguei”. A conta a ser paga será alta.

Como sempre repete meu amigo Cid Benjamin , citando provérbio chileno, “de lo ridículo no hay vuelta atrás”