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Por Moisés Mendes
As circunstâncias ampliam uma pergunta sempre incômoda: com quem estariam hoje os militares brasileiros, se Bolsonaro tentasse transformar o blefe em golpe?
A resposta é dada pela História: só se sabe mesmo na hora do golpe. As posições são determinadas por convicções, oportunismos e muito também por covardias.
Num golpe clássico, com intervenção do poder militar, alguns militares que em tese não seriam golpistas acabam aderindo aos que passam a deter o poder. E os defensores da democracia muitas vezes também surpreendem entre os que eram considerados vacilantes.
Vejam agora o exemplo da Bolívia, que teve um golpe recente. O jornal Página Siete tem se ocupado de recados que os generais, presos pelo golpe de novembro de 2019, enviam da cadeia aos colegas que estão soltos.
Eles querem que o Ministério Público investigue muitos militares de alta patente que se aliaram aos golpistas, quando Evo Morales foi derrubado, mas depois saltaram fora e estão hoje com o governo do presidente Luis Arce, eleito em outubro do ano passado.
Os presos asseguram que golpistas, que se aliaram ao então chefe das Forças Armadas, Williams Kaliman, para armar a trama, trabalham hoje como homens de confiança do novo governo de esquerda.
São militares em cargos de comando do governo do Movimento ao Socialismo, que eles ajudaram a derrubar dois anos atrás.
É a vingança dos encarcerados. São todos os líderes civis e militares do golpe, com algumas exceções, como o atual governador de Santa Cruz de la Sierra, Luis Fernando Camacho Macho, o Bolsonaro deles. Esse está bem solto.
Os presos por decisão da Justiça, enquanto são processados, são o general Jorge Gonzalo Terceros Lara, ex-comandante da Força Aérea; o almirante Palmiro Gonzalo Jarjuri Rada, ex-comandante da Marinha; o general Jorge Mendieta, ex-comandante do Exército; e o almirante Gustavo Arce, ex-chefe do Estado Maior.
Também os chefes da Polícia Nacional, que lideraram motins e massacraram manifestantes, estão na cadeia. Kaliman deveria estar preso, mas é considerado foragido desde julho, quando estava em prisão domiciliar.
Os militares golpistas pretendem, com as acusações, criar constrangimentos e envolver colegas que teriam feito o que eles fizeram, mas depois saltaram fora e se deram bem.
Peguem os outros, porque eles também são da nossa turma. É o que mandam dizer ao ministério Público, à Justiça e ao próprio governo. É a chinelagem de traidores de um governo eleito, que agora tentam fazer intriga e puxar ex-parceiros para a cadeia.
Alguns dos que se aproximaram do governo são acusados de participação num grupo de militares que daria suporte a grandes contrabandistas.
A turma era comandada por Kaliman e teria a participação do coronel Juan José Zúñiga González, atual chefe da Inteligência, do general Ronald Prudencio, chefe do Departamento de Planejamento de Operações, e do coronel García Lara, hoje chefe do Estado Maior.
O Página Siete cita o advogado Omar Durán como porta-voz de grupos interessados em denunciar e enquadrar os militares que romperam com os golpistas e estão hoje dentro do poder.
O único hoje preso, que fazia parte desse grupo ligado a Kaliman e envolvido com contrabandistas, é o general Luis Valverde, que ocupou um cargo na Agência Nacional de Hidrocarburetos, no governo “provisório”, pós-golpe, de Jeanine Añez, também na cadeia.
O grupo era conhecido como Os Pachajchos, numa referência a um caminhão com muitas rodas para cargas pesadas. Os militares seriam baixos, fortes e atarracados, o que motivou o apelido.
O Brasil poderia ter algo semelhante depois de um golpe, com as facções militares trocando acusações?
Aqui, não se sabe de militares envolvidos com contrabando, mas se sabe muito bem de coronéis (meia dúzia pelo menos) acusados de envolvimento com as quadrilhas das vacinas.
Quem estaria com Bolsonaro hoje e quem finge que está, mas na hora da verdade, como aconteceu na Bolívia, pode saltar fora?
Nem eles devem saber. O que Bolsonaro sabe é que emprega 6 mil militares. O que ele não sabe é com quem pode contar. Só se aplicar o golpe.
(Na foto, a presidente golpista “provisória” Jeanine Añez, reunida com o alto comando depois do golpe. Kaliman, agora foragido, é o de óculos.)