POR GABRIEL FERREIRA DA SILVA ARAÚJO, arquiteto urbanista
Desde o assassinato de George Floyd, em maio de 2020, houve um impulsionamento de protestos contra monumentos e símbolos dedicados a personalidades polêmicas.
A queda de estátuas levantou debates sobre o que fazer ou não com esses objetos. Porém, independentemente de quem foi a pessoa homenageada por essa ou aquela estátua, tais objetos adquirem uma importância para o espaço público. Monumentos e símbolos são elementos importantes na morfologia urbana, permitem às pessoas se orientarem em uma cidade e tornam-se parte da memória coletiva da população.
Monumentos podem ser várias coisas, desde estátuas até outros objetos que, por exemplo, permitem às pessoas se orientarem e se reunirem. Podem também exercer um papel importante para a criação de imagens na memória das pessoas que experimentam a cidade.
Para José Lamas, no livro “Morfologia urbana e desenho da cidade”, os monumentos fundamentam a permanência no espaço público urbano, tornam-se polos estruturadores desse espaço e são determinantes para a formação de uma “imagem da cidade”.
Segundo Kevin Lynch, no livro “A imagem da cidade”, podemos entender estátuas e outros símbolos tanto como marcos urbanos, quanto como pontos nodais (lugares de convergência de tráfego). Lynch descreve a importância de marcos urbanos e pontos nodais como alguns dos elementos fundamentais para a legibilidade de uma cidade.
Nesse sentido, a legibilidade depende da facilidade dos indivíduos em reconhecer e organizar cada uma das partes do meio ambiente de forma coerente. De acordo com Lynch, uma cidade com legibilidade seria aquela com uma capacidade maior de formar imagens claras, estruturadas, fortes e memoráveis nos indivíduos.
Vale ressaltar que, para Lynch, a legibilidade de uma cidade não depende de padrões numéricos ou outros sistemas de identificação de endereços, mas sim da estrutura, identidade e significado dos elementos que percebemos na cidade. Esses elementos podem ser objetos físicos ou não. Portanto, até mesmo o nome de uma rua ou praça, por exemplo, pode contribuir para a identificação e formação de uma memória coletiva em relação ao espaço público urbano.
Para exemplificar a importância de construções e monumentos históricos, podemos considerar o período pós 2ª Guerra Mundial, em que várias cidades sofreram muito com a destruição de seu patrimônio urbano. O filme “Asas do Desejo”, de Wim Wenders, retrata muito bem o sofrimento da população alemã ao tentar se orientar e se identificar com o espaço urbano destruído durante a guerra.
Vale lembrar que até Albert Speer, o arquiteto de Hitler, sabia da importância de certos edifícios e monumentos urbanos e, por isso, não promoveu a destruição total de Berlim da forma como seu chefe queria.
É claro que os conceitos apresentados aqui representam um ponto de vista específico e relacionado ao período em que cada autor descreveu tais definições. Atualmente, o conceito de patrimônio cultural é mais adequado para abordar esse assunto. É um conceito bastante amplo e abrange vários tipos de monumentos, bens e/ou manifestações culturais, dentre outros. Porém, um determinado bem cultural pode ter valor para a população de uma cidade, mas esse valor pode não ser compartilhado pela população do estado ou da nação. Por isso, é a população quem tem o direito de discutir o que merece ou não ser preservado.
Qualquer cidadão pode solicitar o tombamento, ou melhor, o registro de um bem para que possa ser preservado. Apesar de não garantir a preservação, o registro do patrimônio público continua sendo o melhor instrumento disponível para essa finalidade. Além disso, a educação patrimonial também é outra ferramenta importantíssima para reconhecermos a importância de preservar e valorizar nossos bens e manifestações culturais.
Entendo que a preservação de determinados monumentos privilegia a história e memória de grupos sociais específicos. Porém, diante de assuntos mais importantes, seria o melhor momento para tentar revisar a história e combater monumentos que fazem parte da memória coletiva da população? Ou seria melhor tentar resgatar a história e as memórias dos grupos sociais oprimidos no passado e, assim, levantar novos monumentos em homenagem aos que sempre foram representados como subalternos?