Na semana passada, os lados russo e boliviano deram início à construção do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear da Bolívia. A Sputnik explica o que torna o projeto excepcional e sem paralelo no mundo.
Em 26 de julho, durante uma cerimônia do derrame do primeiro concreto, o presidente boliviano Luis Arce e o vice-diretor da corporação russa Rosatom, Kirill Komarov, inauguraram a construção de um reator de pesquisa na Bolívia, um elemento-chave do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (CIDTN, na sigla em espanhol) boliviano.
Altos funcionários visitaram as instalações já concluídas – o Complexo Cíclotron-Radiofarmácia e Pré-Clínica (CCRP) e o Centro de Irradiação Multiuso – que serão colocadas em operação nos próximos meses.
Além do mais, no final de junho foi iniciada a construção do edifício que abrigará o reator de pesquisa, previsto para ser terminado até o ano de 2024.
A Sputnik Brasil ouviu Oleg Bochkin, diretor de comunicações estratégicas da Rusatom Oveseas JSC, empresa da Corporação Estatal de Energia Nuclear Rosatom da Rússia, que contou em detalhes as peculiaridades deste projeto único.
O contrato entre a empresa Rosatom e a Agência Boliviana de Energia Nuclear (ABEN) que prevê a criação do centro de pesquisa nuclear na cidade boliviana de El Alto foi assinado em 2017.
A cidade onde será localizado o futuro centro foi escolhida pelo lado boliviano. O diretor entrevistado explica os vários fatores importantes para a escolha. O primeiro ponto é a questão da acessibilidade de transporte. Além de que El Alto se encontra perto da capital econômica da Bolívia, La Paz, a plataforma do centro fica na proximidade do aeroporto de El Alto, que é a porta de entrada da cidade em relação a La Paz.
“Essa infraestrutura permite que esse tipo de radiofármacos, que nossos parceiros bolivianos vão produzir, possam ser facilmente fornecidos a outras cidades bolivianas e países próximos”, ressalta Oleg Bochkin a importância da logística em vista da alta demanda deste negócio.
O segundo momento não menos relevante é a aceitação social. Conforme constata ele, os residentes da cidade aceitam bem o projeto de construção do centro devido ao desenvolvimento da infraestrutura da cidade, à prevista criação de novos postos de trabalho e também porque a qualidade de vida no geral vai aumentar.
Já está sendo construída uma nova rodovia na cidade. Além do mais, o diretor expressa orgulho especial pelo fato de que o centro é construído por cidadãos da Bolívia. Agora, no local da construção trabalham cerca de 500 trabalhadores bolivianos. No centro, no futuro, também vão trabalhar especialistas bolivianos.
Adicionalmente, tanto La Paz quanto El Alto são grandes centros urbanos com grande população, e o centro permitirá “auxiliar a solucionar questões da esfera médica, principalmente no tocante ao diagnóstico e tratamento de doenças oncológicas”.
Projeto sem análogos no mundo
O Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear em El Alto é um projeto excepcional, apesar de atualmente mais de 50 países estarem construindo reatores de pesquisa.
“Em primeiro lugar, [o projeto] é único por um simples motivo: ninguém no mundo nunca construiu esse tipo de estrutura a uma altitude de 4.000 metros” acima do nível do mar, de acordo com as palavras do diretor.
Embora isso por si só coloque algumas limitações no processo da construção, o projeto está sendo realizado de acordo com todos os padrões impostos pela corporação Rosatom, assegura ele.
Projeto é ‘estímulo’ para o país
A principal contribuição que o projeto fornecerá para o Estado boliviano são as vantagens médicas. Os produtos radiofarmacêuticos que serão fabricados no CCRP permitirão realizar o diagnóstico de doenças oncológicas e cardiovasculares em seus estágios iniciais.
Segundo dados do diretor, mais de cinco mil pessoas por ano terão oportunidade de aproveitar os serviços de centros médicos recebedores desses radiofármacos.
“Para a Bolívia essa questão é de grande importância, e nós temos a esperança que a Rússia e a Rosatom possam fazer a sua contribuição para o desenvolvimento de seu sistema de saúde pública”, ressaltou.
Mais do que isso, o Centro de Irradiação Multiuso vai possibilitar a esterilização de uma ampla gama de produtos e materiais, esclarece Oleg Bochkin. Primeiramente, a esterilização de insumos e equipamentos médicos, contribuindo assim para o combate à pandemia da COVID-19, e também de produtos agrícolas. Quanto aos últimos, isso permite aumentar o período de conservação e proteger esses produtos de uma ampla gama de micróbios prejudiciais.
“É uma nova abordagem em relação à medicina. Um novo nível de colaboração com cientistas dos países da região”, segundo o diretor, que prevê que especialistas de toda a América Latina vão visitar a Bolívia para compartilhar experiências, o que, sem dúvida, “um grande ponto positivo” para esse país.
O diretor da empresa salientou também a importância do projeto para a corporação Rosatom do lado russo, sendo um “bom exemplo de exportação de soluções russas de alta tecnologia”.
“Podemos dizer que esse é o maior projeto que temos na América Latina, no qual podemos mostrar todas as vantagens da Rússia no tocante à construção desse tipo de instalações, tais como reatores de pesquisa.”
É importante salientar que a Rússia cumpre rigorosamente as obrigações do Tratado de Não Proliferação Nuclear e o reator de pesquisa em construção não pode ser usado categoricamente para fins não pacíficos. Isso é proibido pelas leis internacionais e, além disso, é impossível do ponto de vista das leis da física.
Entretanto, qualquer equipamento que use tecnologias nucleares funciona sob salvaguardas da Agência Internacional de Energia Atômica, e o centro boliviano não será exceção. O combustível para o reator de pesquisa vai ser produzido na Rússia conforme todos os padrões da AIEA e, acentua o diretor, “de maneira nenhuma constitui [combustível de] urânio altamente enriquecido”.
Quanto à reciclagem dos resíduos nucleares, é preciso ser cuidadoso com a definição. Existe o combustível nuclear gasto, usado no reator de pesquisa, que é de fato uma matéria valiosa. Após este esgotar suas propriedades, ele é recuperado e será enviado para a Rússia para processamento.
Se falarmos da geração de lixo radiológico, a construção do centro prevê que ele seja mínimo. E esse lixo será acomodado de acordo com os padrões mais modernos, explica o especialista.
“Muitos países têm reatores de pesquisa, e pouquíssimos países possuem armas nucleares. São tecnologias completamente diferentes”, garante o diretor.