Publicado originalmente na DW.
Na semana passada, o governo do Sri Lanka anunciou o estabelecimento de uma Comissão da Verdade e Reconciliação para reunificar o próprio povo após o fim de décadas de uma guerra civil. Como primeiro passo, o Ministério cingalês do Exterior enviou uma delegação à África do Sul, para aprender com a experiência da comissão sul-africana responsável pelo resgate crítico dos crimes do apartheid.
O Sri Lanka é apenas o exemplo mais recente. Em diversos países – como a Libéria, a Coreia do Sul e o Timor Leste – o exemplo da lendária Comissão da Verdade e Reconciliação sob o comando do Prêmio Nobel da Paz, o arcebispo Desmond Tutu, é uma referência constante. No entanto, muitos observadores na África do Sul não estão convencidos do trabalho da comissão.
“Eu vejo com algum ceticismo”, afirma Piers Pigou, diretor para a África do Sul do think tank internacional Grupo de Crise. Isso porque, segundo Pigou, diferentemente do que se percebe do exterior, o saldo do trabalho da comissão sul-africana é, na melhor das hipóteses, confuso. “Há o perigo de que tais comissões sejam usadas simplesmente como instrumento cínico para jogar pro lado a identificação da injustiça”, diz.
Instalada pelo então presidente Nelson Mandela, a Comissão da Verdade e Reconciliação da África do Sul é, até hoje, a maior empreendimento desse tipo em todo o mundo. Entre 1996 e 1998, o grupo formado por pessoas proeminentes ouviu publicamente mais de 20 mil pessoas.
Mais de 7 mil transgressores entraram com pedido de anistia, concedida pela comissão a uma minoria em troca de confissões completas. As declarações das vítimas e, em parte, também dos criminosos, abalaram profundamente não somente a opinião pública, mas também o presidente Tutu, que caiu em lágrimas já na primeira audiência.
Nenhuma compensação
Em dois anos de trabalho, a comissão mostrou ao mundo e, principalmente, aos sul-africanos, que a extensão dos crimes do apartheid – incluindo a tortura sistemática, assassinatos e até mesmo atentados terroristas – foi muito maior do que se pensava. Isso também vale para a brutalidade dos combatentes do Congresso Nacional Africano (CNA), atualmente à frente do governo, como também de outros grupos.
A comissão falou em indenização a 16 mil vítimas. “Mas, quando se consideram somente as piores violações dos direitos humanos, como tortura, assassinato, sequestro e desaparecimento, identificamos 120 mil pessoas que deveriam ser indenizadas”, afirmou Jobson.
Ela explica que a KSG representa um grupo de mais de 200 ex-ativistas do antiapartheid na província rural de Limpopo. Segundo Jobson, a maioria das vítimas nunca teve oportunidade de testemunhar perante os integrantes da comissão. “Quando a comissão foi à província, somente cinco vítimas tinham dinheiro suficiente para pagar a viagem para serem ouvidas.”
Organizações como a KSG vêm exigindo há anos que as listas de vítimas que fazem novos pedidos de indenização devam ser reabertas, já que somente uma pequena parte dos requerentes teve a chance de se inscrever a tempo na Comissão. Mas mesmo os inscritos receberam somente uma pequena parte do montante prometido inicialmente.
Impunidade mesmo sem anistia
Há anos os representantes do governo não dão ouvidos a essas demandas. “Ninguém vai dizer isso oficialmente, mas a política do governo é deixar a história para trás o máximo possível”, disse Pigou. Segundo o diretor da ONG Grupo de Crise, também se evita em grande parte a análise jurídica e histórica dos crimes.
Pigou pesquisa e compara há vários anos processos de transição política em vários países. Ele explica que não haveria interesse público e, com ele, maior pressão sobre o governo sul-africano para se fazer um resgate crítico e abrangente do passado. No longo prazo, no entanto, a história não pode ser ignorada, acrescenta. “Após conflitos ou ditaduras, há frequentemente nas sociedades um chamado lapso de memória de 10 , 20 ou mais anos. Mas, em algum momento, vem o desejo de lidar com o passado de forma crítica.”
Apesar de todas as deficiências, Pigou disse acreditar que as comissões da verdade podem prestar uma importante contribuição para o resgate crítico do passado em outros países. “No entanto, elas devem aprender tanto com o que se fez de errado, quanto com o que foi feito corretamente.”