A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) tem pressionado os jornalistas da empresa para que intensifiquem a produção diária de conteúdo positivo da gestão do coronel Ricardo Mello Araújo, ex-comandante da Rota, à frente da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp).
O Brasil de Fato teve acesso a mensagens no grupo de Whatsapp dos jornalistas, onde os trabalhadores são pressionados pela direção. Em um trecho, uma pessoa da direção da estatal repassa um recado do presidente da EBC, o publicitário Glen Lopes Valente.
“O Glen quer que faça o máximo possível de matéria da Ceagesp. Recado dele”, diz a primeira mensagem. “Prioridade de hoje, a partir de São Paulo”, complementa a direção. Em oito meses de 2021, a EBC já produziu 23 matérias sobre o Centro de Entrepostos.
A EBC e a Ceagesp são estatais e, ambas, respondem ao governo federal. Mais que isso, são vizinhas no bairro da Leopoldina, na zona oeste de São Paulo. De acordo com as denúncias que chegaram ao Brasil de Fato, é comum que os jornalistas façam saídas para gravar notas no local.
“Existe um desconforto entre os colegas da EBC nessa cobertura extensiva da Ceagesp, porque está claro que é uma forma de instrumentalização da EBC para promover a gestão do entreposto, e a figura do ex-policial militar que está à frente da empresa”, denuncia um dos jornalistas da estatal, que pediu para não ser identificado.
Ainda de acordo com o trabalhador da EBC, “outra questão é que os funcionários concursados têm brigado no dia-a-dia pra que essa instrumentalização não seja ainda maior nessa cobertura sobre a Ceagesp”.
Bolsodoria
A Ceagesp é um dos principais palcos da disputa entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o governador João Doria (PSDB). O auge dessa contenda ocorreu em 15 de dezembro de 2020, quando a Torre do Relógio foi reinaugurada no local.
“Nós estamos desratizando o Brasil e aqui era um ninho de ratos. Aqui eu levei meses para trocar [o presidente da Ceagesp]. Inclusive extorquiam os mais humildes, quem empurrava carrinho aqui dentro. Máfia de segurança, máfia de lixo. É inadmissível que um entreposto como este tivesse na mão de políticos que se usa disso. Agora, com o trabalho do coronel Mello Araújo, nós estamos transformando isso em um ambiente de negócio sadio que, na ponta da linha, diminui o preço da mercadoria”, afirmou Bolsonaro durante o evento.
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O antigo presidente da Ceagesp, Johnni Hunter Nogueira, era ligado ao PSDB e tinha indicado aliados de Doria para cargos dentro da empresa. O governo paulista pretendia instalar no terreno um centro tecnológico, “similar ao Vale do Silício”, nas palavras do governador.
Após a intervenção de Bolsonaro, que nomeou Mello Junior para a direção da Ceagesp em outubro de 2020, o projeto ruiu. O ex-comandante da Rota é inimigo de Doria e costuma criticar o governador.
No último dia 22 de agosto, Mello Junior divulgou um vídeo fardado em que convoca a população para o ato do dia 7 de setembro, que, além de defender Jair Bolsonaro, levantará bandeiras antidemocráticas, como o fechamento do Supremo Tribunal Federal.
“Do ponto de vista jornalístico, a Ceagesp é importante por si só pela grandeza, mas a gente tem visto desde o ano passado um interesse em promover a gestão à frente da empresa”, lamenta outro trabalhador, que também pediu para não ser identificado, por receio de retaliações.
Outro lado
Procurada pelo Brasil de Fato, a EBC não se manifestou até a publicação dessa reportagem.
Edição: Leandro Melito
Publicado originalmente no Brasil de Fato
Por Igor Carvalho