Se havia suspeita da existência de radicais na CUT e no PT, como alega um preconceito arraigado da direita bolsonarista, ela se revelou inexistente ou inexpressiva nas manifestações pró e contra Bolsonaro, ontem, nas principais metrópoles do Sudeste.
O que houve foi uma declaração pública de confiança e de defesa da democracia, por parte das correntes sociais e políticas progressistas, do mais claro repúdio ao apelo extremista do maior agitador fascista da história brasileira, Jair Bolsonaro, desde seu posto institucional de Presidente da República.
Como sustentei em dois artigos anteriores, falhou redondamente a tática desesperada ele para escapar do cerco que lhe impõem os dois outro poderes da República, o Judiciário e o Congresso Nacional.
Falhou, portanto, sua escalada fascista para manter-se no Planalto a qualquer custo e impor sua ditadura pessoal ao país.
Quando um não quer, dois não brigam.
O resultado das manifestações de ontem foi uma vitória inequívoca das esquerdas e a evidência de seu comprometimento com o processo democrático para conquistar o poder político por via pacífica.
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O que Bolsonaro queria era o confronto, que lhe parecia inevitável, de seus seguidores fanáticos com os fanáticos que ele imagina existirem na CUT e no PT.
Eu temia, sinceramente, que isso poderia acontecer. Não conheço a intimidade política dessas entidades .
Mas a organização de qualquer grupo, por alguma de suas características – por exemplo, a altura de seus indivíduos – se apresenta através de uma figura que a estatística chama de curva normal. Na política, o centro da curva, em forma de sino, representa a maioria, os moderados. Radicais ficam nos extremos.
O erro de Bolsonaro foi considerar que existe no Brasil hoje, em oposição ao extremismo de direita que ele representa e lidera, um extremismo de esquerda que se contrapõe a ele.
Sabemos agora que não há. As manifestações de ontem foram uma oportunidade para que, em resposta à convocação golpista do próprio Presidente da República, o extremismo de esquerda, que se vê que só existe em sua imaginação, entrasse em confronto de rua com seus seguidores fanáticos, desencadeando a seu favor uma convulsão que levasse à intervenção da Força Nacional e do Exército.
Esse erro significou a declaração de morte da vida política de Bolsonaro.
Está literalmente encurralado pela democracia e por 85% da população brasileira que o rejeitam – não só os que se dizem de esquerda, mas também progressistas, democratas sinceros, opositores do governo que se revelou o pior de nossa história, em todos os tempos.
Apelando no desespero a seus seguidores manipulados, cometeu publicamente um crime explícito contra a Constituição ao atacar diretamente o princípio constitucional pétreo de independência e harmonia entre os poderes.
Esse crime não pode ser ignorado por Augusto Aras, o Procurador Geral da República a quem a Magna Carta confere a autoridade exclusiva de denunciar o Presidente por crime de responsabilidade, ou por Arthur Lira, a quem cabe dar início ao processo de impeachment contra ele.
Há remédios, na democracia, também contra a omissão. Se a opinião pública, os 85% contra Bolsonaro que exigem sua destituição, se vir frustrada em seu desejo manifesto de o depor, quem estará instigando o ódio, a violência e o extremismo não é só Jair Bolsonaro, mas Aras e Lira.
A paz é fruto da Justiça e a Tranquilidade se funda no Direito, diz a citação do Deuteronômio bíblico que aparece na epígrafe da encíclica Mater et Magistra, de João XXIII.
Este foi o Papa que antecipou, em seis décadas, outro dos dirigentes mais progressistas da história da Igreja Católica, o Papa Francisco.
Francisco assumiu a bandeira da proteção dos oprimidos, destacando-se na crítica ao capitalismo predatório e a corrupção do sistema financeiro, e convocando os homens de boa vontade à união contra as terríveis crises que assolam atualmente a humanidade.
Aproxima-se o tempo pós-Bolsonaro. Nesse tempo, teremos que buscar saídas para as maiores crises já enfrentadas pela sociedade em toda a nossa história.
Não há alternativa, no meu entender, senão um grande Pacto Social ao nível da Sociedade Civil organizada para influir em decisões políticas de salvação da Pátria.
Também pela primeira vez na história há condições objetivas para esse Pacto. Ricos e pobres, elites e gente comum, afortunados e deserdados, todos estão no mesmo barco. Ou agimos de comum acordo em torno de interesses comuns, ou afundamos todos.
As crises ambiental, energética, urbana e de segurança pública não escolhem, nas nossas metrópoles, entre os habitantes da cidade rica e da cidade periférica.
A inflação crescente, a escalada do custo de vida, os aumentos sucessivos e injustificados dos preços da gasolina, do diesel, do gás e da energia elétrica, o desemprego, o subemprego e a miséria, todas se abatem sobre todos os cidadãos, embora muito mais fortemente sobre pobres, desempregados e classe médias.
É preciso que entidades que representam esses grupos entrem em negociação para decidir rumos.
Terá de ser uma construção coletiva. Se a Sociedade Civil, através de propostas objetivas e unitárias aprovadas na mesa do Pacto, levá-las ao Congresso Nacional, o Congresso atuará como representante efetivo do povo e certamente as transformará em leis.
Já está sendo formulada, com esse propósito, uma sugestão de Emenda Constitucional para controle imediato dos preços fundamentais que respondem pela alta acelerada do custo de vida, pelo aumento do desemprego e do subemprego, e por um valor digno de auxílio emergencial enquanto durar a pandemia.
Depois, porém não muito mais tarde, terão de ser discutidas as condições e as leis para a retomada do desenvolvimento econômico sustentável.
Tudo isso está ao alcance do Brasil. A sociedade já está organizada em várias entidades que defendem interesse específicos.
É preciso reuni-las num projeto comum, que possa ser levado também aos partidos e aos candidatos presidenciais para as próximas eleições.
Esse é o caminho de Confúcio para superar as crises, o caminho do meio. É o caminho que evita extremos. Já sabemos que, do lado das esquerdas, é o caminho escolhido.
Por J. Carlos de Assis