A que velocidade deve-se ler? E a qual grau de facilidade deve obedecer um texto? Estes dois temas trouxeram alvoroço ao meio literário.
A novidade tecnológica fica por conta do Spritz. Como definir? Um cuspidor de palavras que subverte a maneira como lemos hoje. O leitor não mais corre os olhos pelas linhas e sim cada palavra de um texto pisca isoladamente na telinha que mais se parece com um dial de rádio. O programa promete acelerar seu ritmo de leitura pois, segundo os criadores, perdemos 80% do tempo apenas percorrendo a linha.
Com o Spritz, os olhos ficam parados e as palavras é que pulam na velocidade estipulada pelo usuário. Sim, há esse recurso para ajuste, medido em wpm (sigla em inglês para palavras por minuto).
Testei entre as velocidades 200 e 250. São confortáveis, porém não consegui imaginar-me lendo um livro inteiro daquela forma. Imagino ainda mais rápido, como a 700 palavras por minuto, o que tornaria possível ler aproximadamente 900 páginas em 5 horas. Deve deixar-nos sujeitos a convulsões. Para notícias e notas curtas, curtíssimas, talvez funcione. Há o risco de fazer sucesso na geração que iniciará a leitura com esse ou outros “aceleradores”. A geração millenium tem pressa de tudo.
A segunda polêmica ficou por conta das versões simplificadas das obras de Machado de Assis.
Tudo por conta do projeto da Patrícia Engel Secco (com apoio da Lei de Incentivo à Cultura), que visa, segundo a autora, uma compreensão “mais fácil” por parte dos alunos de ensino fundamental e médio de textos machadianos.
Se não é mais compreensível, se não é mais adequado, se não há mais nenhuma sintonia com os tempos atuais, por que então ainda é exigido? Isso diz muito mais sobre o sistema de ensino do que exatamente sobre literatura. Além de, na minha modesta opinião, dizer muito mais ainda sobre a capacidade dos professores. A simplificação não seria interessante para eles também? Mas isso é tema para outra discussão. Vamos em frente.
A ala progressista entende que venerar textos arcaicos é contraproducente. Que adaptar obras observando as declinações do idioma é na verdade um serviço, que palavras envelhecem, caducam. Para estes, a turma dos puristas não passa de objetos de cristaleira. Sorver um Machado de Assis que tenha atualizado o sistema operacional seria mais palatável.
Subestimar a inteligência e desestimular a curiosidade, a reflexão, é bom?
Se há um grau de dificuldade naquilo que se está lendo, qual o problema em fazer uma pesquisa mesmo que rápida? Melhor ainda se obrigado a levantar a bunda da cadeira e caminhar até a estante para apanhar dois ou três dicionários bem pesados para a consulta. Combateria adicionalmente o sedentarismo.
Não se trata de purismo. Apenas de respeito ao autor. Tampouco se trata de endossar que obras tão antigas, tidas como “clássicos”, permaneçam como obrigatórias em 2014. Não há como conquistar leitores dessa forma.
Se o idioma e as linguagens sofreram mutações, se os argumentos de obras mais antigas nada dizem ao leitor atual, que se escrevam peças novas. Isso fomentaria o mercado e a inclusão de novos autores que hoje moem no aspro para venderem seus livros. Para que distorcer um texto, sobretudo com autorização de quem? Já é de domínio público? Sim, mas com qual direito se interfere dessa maneira?
Submeter Machado de Assis ao minimalismo, ao reducionismo, não ajuda ninguém e ainda tira chance de publicação daqueles que escrevem no “idioma atual”. Até porque, o problema não se resume a repertório e vocabulário. Os temas dos clássicos pouco ou nada são atrativos para a juventude.
O entusiasmo por obras de maior complexidade vem, na maioria dos casos, com a maturidade. O leitor forma-se por si próprio. Ler não pode ser um processo penoso nem irrelevante. O bom leitor sabe que há obras adequadas para cada etapa da vida. Um livro estacionado há muito no fundo da estante pode repentinamente tornar-se um achado maravilhoso.
O desafio dos docentes em língua portuguesa reside numa melhor indicação de leitura, adequada a cada faixa etária. Perpetuar esse sistema, repito, diz muito mais sobre os professores. São eles leitores de fato, a ponto de poderem recomendar um autor novo? Simplificar Machado de Assis não o transforma num autor moderno nem atraente para alguém de 12 anos de idade. Apenas num texto mais pobre.
Ler em alta velocidade um texto facilitado e simplificado é um grande avanço para a humanidade ou estamos caminhando a passos para o emburrecimento?