O programa de Lula em 2022 será um dos principais campos de disputa para a esquerda. Por Rudá Ricci

Atualizado em 12 de outubro de 2021 às 12:06
Lula
Lula não quis acusar Bolsonaro e Paulo Guedes

Publicado originalmente no Twitter do autor:

Por Rudá Ricci

Socializarei, amanhã, os slides da apresentação que fiz na segunda sobre a pesquisa Vox Populi a respeito da intenção de voto dos evangélicos brasileiros. Hoje, contudo, farei um breve fio sobre a postura que considero mais adequada da esquerda em relação à candidatura de Lula.

Lula estaria eleito se a eleição fosse hoje. O cenário é cada vez mais favorável: polarização consolidada com Bolsonaro, com queda de popularidade do presidente atual. E o cenário econômico jogando por terra até mesmo a projeção do final dos riscos maiores da pandemia.

A terceira via parece sufocada pela movimentação de Lula e pela polarização. À cada pesquisa, parece mais com aquele tipo de banana. A esquerda precisa começar a planejar seus passos a partir da montagem de cenários, sendo que o mais sólido no momento é a vitória de Lula.

Lula caminha para apresentar uma candidatura de centro, mas há riscos imensos em relação à composição de seu governo. E é aí que entra a esquerda: programa e ministérios. A esquerda brasileira tem que ser hábil o suficiente para se projetar como poder real.

A fase de ser organizador de manifestações de rua já passou. Agora, é hora de entrar em campo como jogador da construção da superação do bolsonarismo e governo de Bolsonaro. É preciso saber influenciar e pressionar a mudança para o rumo que interessa à esquerda.

O cenário atual indica que os dois polos principais da campanha de 2022 já estão azeitando suas armas. Bolsonaro tenta rearticular sua base fanática nas redes sociais. No Telegram, já conquistou 1 milhão de seguidores.

No campo lulista, as movimentações são mais complexas. A rapidez com que está negociando as alianças eleitorais e o próximo governo chega a confundir. Mas, Lula não apareceu com fotos ao lado dos movimentos sociais e organizações populares para negociar.

Lula, é verdade, já convidou Franklin Martins para dirigir sua campanha nas redes sociais. Uma sinalização importante sobre o grau de profissionalismo e agressividade que deve assumir neste campo da disputa.

Contudo, o programa e a composição de um provável governo Lula é incerto. As sinalizações sugerem uma capitulação aos interesses do alto empresariado tupiniquim. Beluzzo já saiu à campo e disse que a nova Carta ao Povo Brasileiro é para o povão.

Leia também:

1 – Com saída de Maju, Sandra Annenberg se frustra por não retornar ao Jornal Hoje

2 – ‘Voltar para ser preso está fora de cogitação’: foragido no México, Zé Trovão desafia Alexandre de Moraes

3 – ‘Ele beijava aqui’: menina de 3 anos mostra parte íntima para falar do estupro que sofria do irmão mais velho

Programa de Lula será um dos principais campos de disputa da esquerda

Aqui é um dos principais campos de disputa para a esquerda: o programa. Se deixar Lula continuar a se movimentar sem qualquer contraponto, podemos ingressar num perigoso campo de incertezas já em 2023. Porque é preciso combinar os cenários com os russos.

Se Lula atrair, mais uma vez, o alto empresariado brasileiro para comandar a política econômica, o preço será alto. Com uma novidade em relação à 2003: Bolsonaro estará agitando para desestabilizar o país. Estará nas ruas, provocando, esticando as cordas ao máximo.

Se o cenário que estou apontando (alto empresariado ditando a política econômica do novo governo Lula e Bolsonaro procurando desestabilizar o país) tiver sentido, o alto empresariado e o Centrão terão um prato cheio para negociar espaços e vantagens. Lula terá que ceder.

O cenário que estou desenhando não é certo e é, certamente, um dos mais negativos para o país e para Lula. Assim, o papel da esquerda é diminuir ao máximo a chance dele se consolidar. E como fazer isso? Se tornando, a partir de agora, um jogador respeitado no jogo de xadrez.

No jogo de xadrez atual, recordemos, temos dois jogadores principais: Lula e Bolsonaro. Há uma terceira via que está se humilhando a cada pesquisa ou declaração pública. Mas, não há ação proativa da esquerda. A esquerda parece auxiliar ou subordinada ao jogo de Lula.

Nesse caso, a entrada da esquerda no jogo como “player” que estou sugerindo não é de oposição à candidatura de Lula, mas de influenciador na construção de seu programa e composição de governo. Para tanto, precisa ser mais agressiva.

Imagino que alguns devem estar perguntando: que esquerda seria esta? As mais de 600 entidades que compõem a campanha Fora Bolsonaro e que lideram as manifestações anti-bolsonaristas desde maio deste ano. Este bloco tem as ruas nas mãos, mas não assumem a liderança política.

As entidades do Fora Bolsonaro aparecem, hoje, como uma espécie de eminência parda. Está lá, todo mundo sabe que existem, mas ninguém viu o rosto e nem sabe muito claramente o que projetam para o Brasil. Sabem o que não querem, mas não o que querem.

Sem que mostrem sua cara, sua identidade e seu projeto, não se apresentam como jogadores. Ficam ausentes do jogo de poder. Permanecem como um grilo falante ou, no máximo, uma ameaça ou repreensão.

Contudo, se entram em campo para valer, atraem a atenção de Lula. Na pior das hipóteses, Lula terá um elemento a mais para negociar com o “lado de lá”. Terá a ameaça, o grilo falante, como uma carta no bolso do colete.

Se o Fora Bolsonaro galvaniza a disputa pelo futuro do país, politiza a disputa. Se avança ainda mais um pouco e abre negociação sobre a composição de governo, ampliará a lógica da tal “nova Carta ao Povo Brasileiro”. Isso é jogo de poder. Adrenalina e risco.

Timing. Essa percepção do tempo político – do momento da jogada – é fatal em toda disputa de poder e construção de alternativas. Se você coloca gente na rua e não ocupa espaço na disputa pelo poder, vira paisagem, não assusta ninguém. É neste ponto que estamos.