O perfil @AMinhaEmpregada está denunciando o preconceito que uma parcela da classe média tem em relação às empregadas domésticas. A compilação de tuítes mostra preconceito de classe e de cor e outro elemento sutil: a ingratidão.
Herança do nosso passado escravocrata, o costume de manter uma empregada doméstica ou contratar faxineiras é praticamente instituição nacional. Não há família, a partir da classe média baixa, que em algum momento não tenha usado os serviços de uma delas.
Embora onipresente nos lares brasileiros e aliada na emancipação da mulher mais instruída ao liberá-la dos afazeres domésticos e auxiliá-la na criação dos filhos, a figura da empregada doméstica não conquistou respeito no imaginário brasileiro.
Não há uma heroína doméstica ou faxineira na literatura nacional nem uma bela música enaltecendo seu trabalho. Janaína, do Biquini Cavadão, tenta, mas soa como lamento piedoso de um patrão sensível.
Nem mesmo Roberto Carlos, até onde sei, compôs uma, embora tenha no repertório músicas para mulheres de óculos, baixinhas, gordinhas, quarentonas, negras e até madrastas. Olha que uma parte do seu sucesso deve-se a uma ex-empregada doméstica, a compositora Helena Santos.
Este desprezo não é exclusividade do Brasil. Em março, no Lollapalooza Chile, alguns espectadores chamaram em tom de insulto a rapper Ana Tijoux de “cara de nana”, algo como cara de empregada. Seguiram-se protestos e comoção pela internet contra a ofensa racista e classista.
Então um rapaz chamado Emmanuel Ortega Villagrán colocou as empregadas do seu país no devido lugar ao escrever uma carta aberta que viralizou pela rede. Traduzo livremente um trecho:
“A mídia achou terrível, inaceitável que Anita Tijoux fosse chamada dessa maneira, mas quero ir além. Desde quando ser “nana” é um insulto? Me pergunto por que vejo essa “cara de nana” todos os dias em minha mãe, quando ela chega de seu trabalho.
Essa mesma cara que você viu tantas vezes e que estava com você enquanto seus pais trabalhavam para poder lhe dar viagens ao Brasil, passeios em estações de esqui e as entradas para o Lollapalooza.
Essa “cara de nana“ que em alguns casos te conhece melhor que seus próprios pais, essa “cara de nana” conhece seus gostos, suas frustrações e até sabe sua cor preferida, a comida que te encanta. (…)
Esse papel que é dos seus pais, uma “cara de nana” representa muito bem e com orgulho. Sabia que essa mulher chega em casa contando a suas proezas e que está orgulhosa de você? E que ela sempre te deseja o melhor em tudo, apesar das besteiras de filhinho de papai que você tem feito.
Por isso peço que você pense bem, não sou ninguém para julgá-lo, mas acho que Ana Tijoux deveria sentir-se lisonjeada, e a mídia deveria dar esse enfoque, porque essa “cara de nana”, essa cara que prepara seu café da manhã e passa as suas roupas, essa é a cara mais bonita que há neste país. E eu dou graças à vida por ver essa cara em minha mãe, que com muito esforço e trabalhando de nana conseguiu criar os filhos. Se esta carta te ofende, peço desculpas mas suponho que alguém deveria dizer isso.”
É o sentimento de respeito exposto nesta carta que a classe média deveria cultivar em relações às trabalhadoras do lar, em vez de agir como as sinhás e os nhonhôs dos tempos da Casa Grande. Com a diferença que agora os impropérios são disparados pelo twitter.